28 de nov. de 2021

Discurso de posse de Francisco José Soares Torres – cadeira 24

 

Queridos amigos que me precederam e os que agora foram eleitos juntamente comigo, preciso dizer que, com imensa satisfação, dou entrada nesta casa que hoje é nossa! Também não poderia deixar de dizer que todos nós, que ocupamos as atuais vinte e seis cadeiras da Academia Internacional Poetrix (AIP), fizemo-lo no período pandêmico global da epidemia de um vírus mortal que grassa e devasta ainda o planeta. Assim, começo citando Ítalo Calvino: “A literatura (e talvez somente a literatura) pode criar os anticorpos que coíbam a expansão desse flagelo linguístico”, referindo-se à terceira das seis propostas para o próximo milênio, intitulada exatidão, a qual poderia oferecer a solução para a literatura, enquanto arte da linguística, ao nos ensinar que, assim como a vacina tem sido a solução final para o controle da atual epidemia virótica, a literatura será a salvação para evitar a evolução de uma peste na imagem da linguística, no milênio que ora se inicia.

Prossigo citando Hermann Hesse, ganhador do prêmio Nobel de literatura em 1946 e grande admirador de São Francisco de Assis, que publicou, em 1904, o romance Peter Camenzind: “Um dos poetas que sobem altos picos e colhem direto in natura a poesia que Deus dá”. Hesse seguiu os passos de São Francisco e trilhou os mesmos caminhos do santo ao percorrer o vale da Úmbria, na Itália, colhendo os dados para biografar Il poverello, sendo ele próprio, Peter Camenzind, como numa autobiografia. Procurarei trilhar o caminho que me levou à AIP, a partir de minha infância até o momento mágico no qual me encontro hoje, o da minha posse.

Nasci em 12 de novembro de 1956, em Crateús – CE, para onde meus pais haviam se dirigido a fim de que minha mãe me trouxesse à luz do dia, retornando em seguida a Buriti dos Montes – PI, nossa terra de origem. Fui batizado em Crateús, na Igreja Matriz de Nosso Senhor do Bonfim, tendo, como padrinho de batismo, São Francisco e, como padrinho de procuração, meu avô materno José do Monte Soares. Minha mãe havia feito uma promessa a São Francisco de Canindé, a qual eu deveria pagar quando fosse adulto, o que ocorreu no dia 20 de julho de 2006. Fiz a Primeira Comunhão em Buriti dos Montes, em 1961, tendo, como padrinho de Crisma, meu tio materno, o poeta Afonso Soares Cavalcante.

Minha mãe me embalava para dormir em uma rede, declamando, “de cor”, versos da Literatura de Cordel, principalmente os famosos cadernos de José Camelo de Melo Resende, um dos maiores cordelistas nordestinos, autor de romances como O Pavão Misterioso, Pedrinho e Julinha e Coco Verde e Melancia, que ela recitava toda noite enquanto eu fingia dormir, para continuar ouvindo até o fim. Assim, iniciei-me na literatura, logo tornando-me o leitor preferido dos pequenos saraus improvisados por meu tio-poeta. Ao completar dez anos, escrevi meu primeiro poema, que hoje interpreto como sendo um esboço do terceto que viria a ser o Poetrix, criado por Goulart Gomes.


NUM CÉU AZUL DE DOER

Uma nuvenzinha muda de forma
E se deforma
Sem se conter


Mudei-me para a vizinha cidade de Castelo do Piauí e, de março a novembro de 1971, devorei todos os volumes da coleção Imortais da Literatura Universal existentes na biblioteca da escola municipal, o Colégio Cônego Cardoso. Participei do primeiro concurso literário, uma redação sobre O Dia da Independência, tendo sido classificado em primeiro lugar.

Em 1972, mudei para a capital do Piauí, Teresina, matriculando-me no Ginásio Popular, um colégio cujo diretor, o professor Paulino, era um militar aposentado que havia servido na Segunda Guerra Mundial, onde escrevi o poema Cruz de Ferro, também colocado em primeiro lugar em um certame do colégio. Concluí o Ginasial no Colégio Demóstenes Avelino, quando fui o ganhador de outro concurso literário, uma redação versando sobre a Semana do Idoso.

Cursei o Segundo Grau também em escola pública, o Anexo Escolar São Francisco, onde participei da III Maratona Escolar de Literatura Brasileira, um concurso de âmbito nacional, tendo sido classificado em primeiro lugar do Piauí, com direito a concorrer à fase nacional, quando obtive o segundo lugar do Brasil na IV Maratona Escolar, na sede da Academia Brasileira de Letras, no Rio de Janeiro, com o conto O Passado é Inevitável, avaliado por uma banca examinadora composta pelos acadêmicos, Austregésilo de Athayde e Josué Montello, e pelo então Secretário de Educação e Cultura do Estado do Rio de Janeiro, Arnaldo Niskier, o idealizador da Maratona Escolar, tendo meu trabalho publicado num jornalzinho da Bloch Editores e que, mais tarde, publicaria nos Anais do Conselho Regional de Medicina do Estado do Piauí, em 2014.

Após entrar na Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Piauí, deixei de participar de concursos literários, porém nunca me afastei da escrita; e, depois de longos anos, resolvi publicar, em Facebook, todos os poemas que havia escrito, ocasião em que fui descoberto pelo jornalista Marcos Gimenes Salun, o qual se tornou um grande incentivador, e publiquei pela editora Rumo Editorial três livros-solo de poesias que classifiquei como uma trilogia: “Colhi estas lágrimas de ostras escritas durante cinquenta anos por minha alma navegante do Rio Poti, passando por Buriti e Castelo, antes de juntar-se ao Parnaíba na mesopotâmica capital, onde, no troca-troca do destino, sentado à beira do delírio no mundano cais, do calmo porto de um tranquilo mar de tão pacata existência, ninguém precisava ser estivador de pensamentos”.

Assim, publiquei a trilogia, intituladas Síndrome Poética: “Como o mito de Prometeu, que durante o calor do dia tinha o fígado devorado por uma águia para somente diante do frio da noite se recompor, espero levar um tempo indeterminado para, entre tapas de um verme e beijos de uma deusa, resgatar todas as energias exigidas para esta síndrome poética”; A Barca do Sal: “Surge o segundo livro de poesias e, como no primeiro tomo, todas originariamente publicadas na internet; nasce como qualquer rio que, ao iniciar-se como filete se avoluma como lago e cresce como mar, antes de beber oceanos; em seu transcurso, percorre cânions e gargantas lapidando em pedras de ferro a literatura de uma vasta região”; e O Poeta das Areias: “Não se escolhe ser poeta, mas pode-se nascer com postura, índole e hábitos de artista mesmo no selvagem sertão nordestino onde a luta pela sobrevivência era difícil, durante a infância de muitas gerações anteriores, que transcorriam numa era de devastação e miséria, tornando a maioria dos homens dessa época rudes e práticos”.

Participei, como co-autor da Coletânea Anais do XXVI Congresso Nacional da Sociedade Brasileira de Médicos Escritores (SOBRAMES), com o conto O Mundo de Gliese, uma ficção inspirada na descoberta do primeiro exoplaneta com probabilidade de abrigar vida, descoberto na Via Láctea, e a crônica Irmão Sol, Irmã Lua, que retrata a história de São Francisco de Assis e de Santa Clara, com base na hagiografia do santo escrita por seu biógrafo contemporâneo Tomás de Celano; além da participação na Coletânea A Pizza Literária – Décima Quinta Fornada, em comemoração aos 30 anos de fundação da Regional São Paulo da SOBRAMES, com três contos em que o protagonista é o próprio autor: Viagem Insólita, que descreve um acidente de carro em um rali, na Serra da Ibiapaba, no qual o piloto morre e encontra um anjo; Os Dois Mundos, um conto fantástico em que o personagem, durante um cruzeiro, de navio saído de Fortaleza, observa, das janelas do beliche do navio, um primeiro mundo que surge com seu sol amarelo, seguido de outro, que desponta com um inconcebível sol azul e que, durante a noite, eram iluminados por “incontáveis e balouçantes luas frias”; e Lua Líquida, um conto em que a lua se dissolve, além de três crônicas: Médico e Escritor, uma narrativa que vai do mito de Osíris, da mitologia egípcia, percorre os deuses gregos, os poetas Virgílio e Dante, Camões, Fernando Pessoa, Oscar Wilde e Allan Poe, até Pablo Neruda, terminando por enfocar a filosofia de Santo Agostinho; e a última crônica, O Planeta dos Macróbios, é uma visão pessimista de como a Terra se tronará, “pois já se iniciam as longas viagens espaciais, quando o homem tentará ocupar outro planeta no Sistema Solar ou em qualquer recanto isolada da Galáxia, onde constituirá uma nova humanidade e aqui deixará para apodrecer, se lhe aprouver e sem hesitação as gemas estragadas postas por sua galinha dos ovos goros [...] para a preservação do novo homem no Cosmo, ou pode ser que simplesmente esses supercivilizados canibais venham a alimentar-se dos velhos, em suas longas e demoradas jornadas pelo espaço sideral”. Essa última crônica impressionou bastante o sensível jornalista Marcos Gimenes Salun.

Publiquei ainda, pela Revista Eletrônica OPINIAS, administrada por Marcos Salun, 96 textos quinzenais com temas variados, entre 2015 e 2019, e participei da II Coletânea Ciranda Poetrix POETRIX – 22 Anos de Arte Poética, da VII Antologia Poetrix – (R)Existir, da Antologia A Nova Poesia Brasileira – SPINA, além da publicação do livro Poetrix – O Terceto Fantástico.

Conheci o Poetrix em 2016, por intermédio de Marcos Gimenes Salun, membro do MIP (Movimento Internacional Poetrix), com quem cultivei sólida amizade. Ao ficar sabendo que Marcos Salun se encontrava muito enfermo e que talvez não conseguisse curar-se, prometi a mim que, se o pior viesse a acontecer ao meu amigo, tomá-lo-ia como patrono, caso fosse eleito para a Academia Internacional Poetix, sonho que vinha acalentando há um ano, algo que já havia confessado ao criador do Poetrix, Goulart Gomes. Eleito em 10 de outubro de 2021, tratei de cumprir o prometido, alcançando o objetivo de ter Marcos Gimenes Salun como meu patrono. Encerro esse discurso citando alguns Poetrix do Salun:


RIOS

Vales da face
Amargura na alma
Uma lágrima escorre


MARIPOSEANDO

Hipnótica luminosidade
Calorosa intimidade
Um dedo no interruptor


TEMPESTADE

Escurece e desaba em mim
Fúria do tempo que flui
O que passou transborda


DESCARGA

Um tanto de adrenalina
Um pouco de indiferença
Basta puxar a corda


INDIFERENÇA/ CONTUMAZ

Toca/ o sino
Ninguém/ ouve
Atende/ o vazio

(auto duplix)


Francisco José Soares Torres – cadeira 24



5 comentários:

Regina Lyra disse...

Muito bom tê-lo conosco, Francisco José.
Gostei muito de ler seu discurso. Parabéns!
Abraços.
Regina Lyra

Dirce Carneiro disse...

Salve, salve Francisco. Parabéns pela sua trajetória. Grande abraço e parabéns.

Lílian Maial disse...

Belíssimo e comovente discurso! Amei saber que sua mãezinha dizia cordéis para lhe fazer dormir! Gostei muito também da homenagem ao nosso querido e saudoso Marcos Salun. Parabéns e bem-vindo!
Abração!

Francisco José disse...

Gratíssimo a Regina Lyra, Dirce Carneiro e Lílian Maial. Bjs literários!

Mário Pereira. disse...

Parabéns Dr Francisco José Soares torres, vossa senhoria tem uma história de vida fascinante, obrigado por compartilhar conosco.