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17 de jul. de 2021

Análise Crítica, Pedro Cardoso

Antologia Analítica

Por Pedro Cardoso


Prezados amigos poetrixtas e amantes dos tercetos que chamamos de Poetrix.

Faz alguns anos que venho colecionando os Poetrix dos meus sonhos, poemas que gostaria de ter escrito. E, de alguma forma, os considero como sendo de minha autoria, ainda que... por alguns segundos.
Sempre os leio com admiração e zelo. E, quanto mais o faço, mais escrevo sobre eles. Às vezes peço à minha mulher para lê-los em voz alta, para que eu possa senti-los melhor. Deste modo, vou retirando deles as minhas conclusões. É assim também que vou registrando os meus mais puros devaneios poéticos.

Estou constantemente buscando novas possibilidades de leitura e interpretação daquilo que o autor deixou registrado.
Sempre me baseio nas entrelinhas e nos ensinamentos de Ítalo Calvino, que é, praticamente, o nosso norte, o nosso guia enquanto escritores de Poetrix.
É importante deixar claro que essas são as minhas interpretações, mas que outras, com certeza, serão feitas e quem sabe até, de formas contrárias às minhas.

Em tempo... este é um eficiente processo de aprendizagem. O que mais gosto. E que agora compartilho com vocês, por acreditar que contribui imensamente no treino e uso da Bula Poetrix, em todos os seus ensinamentos.

1 - Aparências

óculos sem lente
atente
só armação

Vejam só! Vou fazer uma... leitura deste Poetrix, que é de autoria do poetrixta Dreyf, um amigo de São Paulo.

O título "Aparências" se encaixa perfeitamente ao texto. Deixa claro que se trata de algo que se usa como "disfarce", ou que transforma a imagem das pessoas. Aquilo que se mostra imediatamente.
O primeiro verso: "óculos sem lente", é algo inusitado - um SUSTO!
No poema, este verso tem uma força bem marcante. É sem dúvida o verso mais robusto do terceto.
Ele rima com o segundo verso, uma rima super interessante - lente com atente.
Às vezes, os óculos são tão fortes que se tornam uma marca registrada em algumas pessoas. Como exemplos, ressalto as figuras de John Lennon e Janis Joplin. Seus óculos faziam parte de suas personalidades. Talvez nem precisassem das lentes!
Mas o grande lance está no terceiro verso, onde a palavra "armação" impõe um duplo sentido ao texto: o leitor pode ler uma "armação propriamente dita", como pode ter a sensação de uma "armação" preparada pelo vendedor que tenta frauda-lo na hora da venda.
Este artifício é muito bom. É rara uma artimanha desta natureza.

2 - desculpe

o transtorno:
estou em
construção

Um exemplo de Poetrix do poeta Beto Quelhas.

Este terceto nos mostra uma característica distinta. Esta não é uma configuração comum. Aqui, como podemos ver, o título faz parte do texto. Sem ele o poema ficaria sem visibilidade, sem sentido algum. Ainda mais por sua concisão, com poucos vocábulos. Mas quando lido na sua totalidade, faz todo o sentido.
É como se fosse uma placa de advertência.
É importante observar que ele pode ser confundido com uma quadra. Portanto, cuidado!
Chamo atenção também para a sua estética, bem refinada.
É singular atentar que o autor não usa letras maiúsculas no seu texto, isto é uma carteirista própria dele, uma marca registrada do poeta Beto Quelhas. Gosto desta particularidade, embora não a utilize.

3 - Sonsas

Estrelas
não dizem a verdade.
Elas piscam

Um terceto da poeta Lílian Maial, que sempre vai e volta em minhas leituras.

O que falar deste poema?! Já o li inúmeras vezes e, quanto mais o leio, mais me encanto por sua simplicidade e delicadeza. Ele foi escrito há um bom tempo e não saiu do meu foco. Estou sempre a reverenciá-lo.
O título "Sonsas" é muito bem pensado. Induz o leitor a um possível enigma, alguma traquinagem, algo que age de modo sorrateiro, que esconde suas reais verdades. Observe que quando se diz que determinada pessoa é sonsa significa que ela aparenta ser de alguma maneira agradável, inocente ou ser digna de outros adjetivos, mas no fundo, não é!
Começa com "Estrelas", com letra maiúscula. Podem ser as Estrelas do Universo ou pessoas- Estrelas. Isto será reforçado no desfecho do Poetrix: 'Elas piscam", abrindo novamente a possibilidade do duplo sentido.
No segundo verso temos um ponto final. Este sinal gráfico, como o próprio nome indica, é utilizado no final de frases para que se faça uma pausa mais longa, o que provoca no leitor um susto - "não dizem a verdade." A pontuação, neste caso, é vital.
O texto em si realça o que foi dito no título.
Este é um achado que só se vê nos Poetrix muito bem elaborados, bem pensados.
Este é o poder da concisão.

4 - Este é um dos experimentos do meu amigo/irmão, Hércio.

- fosse eu foice
drástico o corte
- vida e morte

Fiquei surpreso ao ver que realmente não havia um título explícito. (Há que se lembrar que no início do movimento Poetrix, o título era recomendado e não obrigatório). Logo em seguida, ele justificou que o seu poema havia nascido pagão.
As regras atuais do Poetrix rezam que os títulos são indispensáveis, obrigatórios. São eles que direcionam o leitor, que dão a ideia do que vai ser tratado.
É lícito dizer que a grande maioria das pessoas só conhecem os títulos das obras. Seus conteúdos, seus enredos, suas falas, muitas vezes são verdadeiros mistérios escondidos nos livros das prateleiras das bibliotecas. Assim sendo, o Hércio, na minha visão, pode dar nome ao seu poema a qualquer dia e hora, sem prejuízo algum, fazendo com que ele deixe de ser um filho pagão por excelência.
Ainda digo mais, se eu fosse ele, colocaria o título depois do texto, invertendo a lógica das coisas. (Vale ressaltar que isto não é previsto na Bula Poetrix). Deste modo, o título passaria a ser o enigma da obra. Uma vez que lemos a obra para depois conhecer o seu título. E, como sugestão, ofereço o título: "Severina".

5 - Um Poetrix Concreto de minha autoria.

Círculo vicioso


   S
S O S
   S


Não gosto de, eu mesmo, esmiuçar os meus poemas, acho que o possível encanto desaparece. Mas não vou me furtar a revelar os meus sentimentos, aqui retratados, por exemplo.
Este Poetrix concreto tem uma concisão inacreditável pois só foram usadas uma vogal e uma consoante na sua construção. Chega ao extremo de não termos como contar as sílabas, contudo permite uma infinidade de interpretações.
É circular, é dinâmico, é apelativo, é instantâneo e de grande força visual.
Retrata um pedido de socorro, em qualquer idioma.
Além de ter uma estética diferenciada e chamativa.
É assim que o vejo e revejo, constantemente. Na expectativa de que um dia ele salte dos meus olhos.

6 - Gostaria que observassem o Poetrix da poeta Áqueda Mendes da Silva.

No céu cor de chumbo

ora em fita
ora em flecha...
fogem as garças

Veja o título: “No céu cor de chumbo”. A autora já nos leva a imaginar um sinal de perigo, nos dá um aviso de que algo é ameaçador, que o tempo não está nada tranquilo. Ela se posiciona: a situação é de total pavor.
Aqui ela nos mostra, claramente, o medo perante a um fenômeno da natureza, que se avizinha.
Quando ela diz: "ora em fita/ora em flecha...", está descrevendo ao leitor a dinâmica da situação, que vai se alternando há todo instante. Sabe-se que essas aves vão se revezando na dianteira em seus voos para que possam atingir longas distâncias sem que um dos seus membros seja sacrificado ou que tenha que fazer um esforço além de suas possibilidades.
No terceiro verso, o susto: "fogem as garças". É praticamente possível “ouvir” a algazarra que elas fazem quando estão em risco de vida.
Nessa situação, voam com maior rapidez. Aos gritos, revelam o temor diante de um acontecimento perigoso da natureza.
Pode-se inferir, inclusive, que tal visão também reflita sentimentos de alguém que assista ou, até mesmo, viva uma situação de ameaça.

7 - Encanta(dor)

uma flauta doce
toda furada
deu nova vida ao bambu

Este Poetrix é de autoria do poeta Hércio Afonso. Está publicado em seu livro: Minha primeira vez, página 60.
É importante observar que o título é fundamental, nos dá a ideia do que pode ser a identidade do poema. É como se fosse a certidão de nascimento da composição.
Veja que, aqui, o título foi dividido para nos dizer que a dor também pode ser transformadora, e transformada...em momentos encantadores!
É interessante observar que existe uma lógica (flauta-furada-bambu) entre os versos e o título.
Os encantadores de cobras que o digam. Com suas flautas, fazem o que querem com as serpentes mais nocivas ao ser humano.
No primeiro verso – "uma flauta doce" – o autor poderia ter dito apenas “uma flauta” que não mudaria em nada o texto, porém ele quis que o leitor percebesse que era um instrumento de bambu e não o de madeira torneada, como era usado na Idade Média que continha aberturas para sete dedos e uma especial para o dedo polegar, que servia como furo de oitava. O "doce" também reforça a ideia de suavidade e positividade.
No segundo verso a expressão “toda furada”, nos leva a imaginar um velho utensílio, judiado...
O terceiro verso nos dá um susto quando reafirma a sobrevida que é dada ao bambu, através do som melodioso do instrumento.
A formação das imagens que vão sendo construídas quando vai-se lendo o poema vão muito além dos três versos e da escrita.
O texto passa a ser uma referência poética.
As imagens permanecem por um longo tempo em nosso imaginário poético e suas sensações também!
É assim que se constrói um belo Poetrix. Não basta escrever três versos. É preciso que se use rimas ricas, que se ofereça ao leitor imagens elegantes que o façam viajar para outros acordes, novos mundos metafóricos.
Que dê a quem lê, uma nova dimensão das coisas.
É por isso que eu repito: E viva a poesia!!!

8 - destino

na dúvida
siga as borboletas
:elas sabem

Sempre que leio os Poetrix do amigo Beto Quelhas percebo, na maioria deles, a intenção de uma apresentação que seja esteticamente semelhante à do Hai-cai. Esta é uma outra marca registrada do autor.
Outro detalhe que me chama a atenção em seus Poetrix, salvo engano, é o fato de que ele sempre coloca a primeira letra do título em destaque.
Veja, no Poetrix acima, que a letra “d” não está escrita com letra maiúscula. Aqui não dá para perceber, mas no original a fonte é diferente e está na cor vermelha, um destaque visual bem interessante. Esta é uma característica marcante e forte nos escritos do autor.
Quanto à qualidade do Poetrix e da mensagem... por ele passada, não é necessário dizer muita coisa. Poderia falar de metamorfose, cores, leveza, destino... enfim, várias simbologias. Mas ele fala por si !
Um Poetrix de tirar o fôlego! Carregado de significado.

9 - Dizer-me

não vale
a pena
... nem a tinta

Este poema é da poetisa Sônia Godoy, uma autora de extrema concisão e realismo em suas palavras. Não foi à toa que a escolhi como Patrona da minha Cadeira, de número 18, na AIP (Academia Internacional Poetrix).
O título faz parte do texto, sem ele, o poema fica solto. Ele é fundamental para o entendimento do leitor, ainda mais para aquele que não está acostumado com a perspicácia do minimalismo.
O poema nos passa a sensação de um desabafo, com luvas de pelica. O desdém é absurdo!
A palavra "pena" tem dois sentidos importantes no contexto. Numa primeira leitura podemos dizer que não vale a "pena da caneta". É algo sem valor monetário. Em uma releitura, no entanto, podemos entender que não vale a pena perder tempo, nada mais faz sentido, não vai-se tentar novamente uma auto tradução.
O terceiro verso: "... nem a tinta" é de uma ironia que chega a doer na carne, o desprezo é total. As reticências aparecem como um derradeiro suspiro, mesmo estando no início do verso, uma última pausa para o veredicto final. Mostra que tudo já foi dito.
A autora revela que só as palavras não bastam, que é necessário muito mais do que isso. E que, talvez, só o toque, o roçar, o falar com as mãos fossem capazes de traduzi-la.

10 - Outro poema que escolhi para continuar com meus comentários foi da Ângela Bretas.

(Má)(Temática)

não adiciono
sou
sub(traída)

Este poema não necessita do título para ser compreendido, o texto por si só, já nos oferece a mensagem que a autora quis passar. Isso não implica dizer que o título não seja relevante, pelo contrário.
"(Má)(Temática)" é algo fabuloso, nos oferece duas leituras completamente distintas, que estão intimamente relacionadas com o todo.
A (Má) temática, nos leva ao entendimento de que o assunto é ruim, de que talvez o tema "amor", por exemplo, seja cabuloso, complexo.
Por outro lado, temos a Matemática como ciência exata.
Isto se repete quando lemos "subtraída", no sentido de que ela foi diminuída (se assim podemos falar) da relação, ou seja, foi alijada da vida do outro. Assim como no primeiro verso, onde ela afirma que não adiciona, não acrescenta.
A sutileza da ironia está no sub(traída). Aqui a autora afirma que foi traída, mas quando coloca a palavra traída entre parênteses, antecedida de "sub", ela talvez possa estar sugerindo que foi traída por alguém inferior a ela, alguém que já não faz a menor diferença. Ou talvez que ela seja, ou se sinta, diminuída.
A "ironia" já se apresenta desde o primeiro verso, quando escreve: "não adiciono".
Um Poetrix forte, ousado e carregado de sentimentos!

11 - Morte
Anthero Monteiro

uma cadeira vazia na alameda
sentada numa tarde de outono
a olhar o meu ponto de fuga

Antero Monteiro é um poeta português que sempre nos presenteou com sua escrita de forma clara e gostosa.
Em 2003, postou na página do grupo Poetrix o poema Morte.
Já no título fala na existência da alma nos poemas.
Para algumas religiões a alma está relacionada com a transcendência do corpo.
No Poetrix isto acontece, porém, de formas diferentes. A alma está também relacionada à dimensão, ao alcance dele. Uma outra forma de transcender.
Veja que no primeiro verso está dito: "uma cadeira vazia na alameda" e, no segundo: "sentada numa tarde de outono". Quem está sentado? A cadeira está vazia. Alguém não está mais ali, presente.
O terceiro verso é límpido: "a olhar o meu ponto de fuga". Quem está fugindo? O ponto de fuga dá a profundidade dos objetos, é a linha que traça o nível do olhar em relação ao horizonte - lá longe, a fugir dos olhos.
É assim que o autor talvez estivesse se olhando. Ali, construindo a sua perspectiva, sua visão tridimensional em relação à Morte, ou até à sua morte. Veja que ele projetou seu ponto de fuga em uma alameda, em uma tarde de outono, justamente quando as árvores estão mudando suas folhas.
Ele (ou outro alguém) estava construindo o seu caminho encantado...quando as árvores tornam-se amareladas ou avermelhadas..
A concepção do poema em relação ao mistério da morte e a dor do autor, são a liberdade, a sublimação.

12 - Um dos exemplos que mais gosto dos poemas Concretos, dentro do Poetrix, é "Devolva-me", da poetisa Sônia Godoy, uma das mais importantes escritoras desta nova linguagem, minha Patrona!
Fiz "uso" dele, inclusive, para iniciar meu discurso de posse, na AIP (Academia Internacional Poetrix)

Devolva-me

       AS
          AS
             AS

Este poema está absolutamente dentro dos padrões aceitos como Poetrix, ou seja: é um terceto (onde os três versos estão representados pelas letras A e S), tem título, tem concisão e acima de tudo, tem personalidade.
A leitura poética parece simples, mas não é.
Uma das possíveis leituras nos leva a entender que a autora está pedindo que lhe devolvam a liberdade, as asas - o poder sair por aí, pois algo estaria lhe sufocando, lhe tirando o oxigênio.
É importante notar que, mesmo sendo um poema Concreto, o título, neste caso, exerce papel fundamental na compreensão do texto. Sem ele o entendimento seria impraticável.
Outro ponto marcante é que a autora não escreveu o texto na vertical, o que seria mais lógico. Preferiu uma escrita na diagonal para nos passar a ideia de que as suas inquietações estão em constante agitação, uma vez que "as asas" sugerem tais movimentos.

Vejam uma outra leitura, feita pela poeta Tê Soares, uma ferrenha defensora do Poetrix, professora de Literatura e uma baita Amiga.
"Este Concreto exige um certo voo na leitura já que eu o interpreto como tendo a mensagem final: devolvam-me as asas, os sonhos, a capacidade de sair do chão. A forma que o aprisiona é a mensagem subliminar do Concreto. Nem sempre retratar uma contradição é fácil e, nesse caso, o visual se apresenta como uma imposição da realidade, já que, de outra forma (as sílabas em outra posição), representaria leveza".

Mais uma leitura possível, desta vez, de uma contista gaúcha de nome Tânia Melo, uma amiga que gosta dos Concretos.
"Interpretei, inicialmente, como o “querer de volta”, diversas coisas que lhe foram roubadas pela relação. Só depois consegui vislumbrar "as asas" e, com isso valorizei ainda mais o poema, muito bom".

Agora, a leitura da própria autora (escrita para mim, tenho muita honra em dizer!): “Estava apaixonada, fui abrindo mão de tudo, perdendo as asas. Finalmente tentei voar, voar pra longe (mas não conseguia), assim descobri que as asas são formadas por “as” e mais “as”. Daí... Foi só gritar, gritar: Devolva-me as asas, como se a culpa da minha incapacidade fosse ele. A riqueza dos poemas Concretos me inspirou a escrever este poema

Formas diferentes de falar de coisas semelhantes.
E viva a poesia!!!

13 - Outro Concreto que me chama a atenção é o poema “Exemplo”, da poetisa baiana Sandra Mamede, que está sempre nos brindando com seus belos Concretos.
                                  v
                               i
                           v
                       a
                   m
               o
           s
como
           o
              s
                 g
                    a
                       n
                           S
                              O
                                 S

O mais intrigante é a ideia da autora de nos conclamarmos a viver como os gansos... em bando.
Veja que ela nos remete a uma forma de vida mais rude, supostamente, do que a que vivemos hoje. Esses pássaros são, como diz o título, exemplos de cooperativismo, onde um "puxa" o outro. Dizem, os mais entendidos no assunto, que quando o primeiro está cansado, ele troca de posição com o que está mais atrás, visando atingir um bem comum. Esta mudança é para que nenhum deles fique mais sobrecarregado do que o outro.
Outro dado fundamental neste poema está na ponta da asa inferior, onde a autora pede socorro. Escrevi o “SOS” com letras maiúsculas para ratificar o detalhe.

Tê Soares registrou: "Este é magistral. É contundente, explícito e me deixa sem ter o que falar pela concretude, pela capacidade de ser a poesia na imagem fiel da realidade".

Tânia Melo comentou: "O poema dos gansos é belíssimo. Fala só pela imagem, mesmo antes de serem lidas as palavras".

14 - É interessante escrever sobre Poetrix, em especial, de amigos. Às vezes eles nos levam a outros mundos e interpretações, que nem os próprios autores imaginaram.
Este é um dos exercícios que mais gosto de fazer quando leio esses pequenos poemas. Pequenos na escrita, nos dizeres... porém, verdadeiros gigantes nas possibilidades!
Vai aqui a minha leitura sobre dois destes poemas da saudosa poeta Kathleen Lessa.

(AD)VENTO

A (real)idade não existe...
Ao vento (a)vento-a,
(In)vento-a. Ventoinha.

Já, no título, percebemos a preocupação da criatividade que se estende para todo o texto.
É curioso notar, nos escritos da autora, a preocupação da escolha das palavras que oferecem duplo sentido. Fica clara a intenção de não apenas escrever mais um texto, mas sim, brincar com ele de uma maneira mais agradável e exuberante.
O primeiro verso, de forma subliminar, nos diz que a real idade não existe. Nem a realidade...talvez exista.
No segundo e no terceiro, a autora faz um bom jogo de palavras, para dizer que inventa a real idade.
A palavra “ventoinha”, uma peça de carro que serve para resfriar o motor, aqui, funciona como um ventilador que espalha a real idade para o seu mundo e o mundo exterior.
Além de todas essas possíveis leituras, destaco a pontuação do poema. Um elemento importante no contexto do Poetrix. A boa pontuação enriquece o texto, valoriza a leitura.

Outro Poetrix interessante da Kathleen Lessa.

Ah, Maquiavel...

O mundo está vazio
De atitudes honestas,
A que meios justifiquem fins

Um título excelente, bem pensado. Ao invés de usar uma exclamação no final, a autora usou a reticência, como se dissesse: vai, continua...
No primeiro verso ela diz que o mundo está vazio. Eu pergunto: é verdade? Ou ela está "brincando"?!
Maquiavel disse: “O homem prudente deve seguir sempre as vias traçadas pelos grandes personagens...”. Quando a autora afirma que “o mundo está vazio//de atitudes honestas”, ela está nos inquirindo quanto às lições de Maquiavel. E mais, que nós estamos seguindo pessoas erradas; que estamos sendo levados por aqueles que usam de todos os meios desonestos para justificarem seus atos ilícitos.
Quando a autora se refere a Maquiavel, ela nos obriga a uma reflexão política, nos leva a pensar em algo maior do que o próprio poema. Neste caso, o Poetrix serviu apenas como um trampolim, o mensageiro de sua fala!

15 - Uma leitura de um Poetrix da poetrixta Judith de Souza.

Existencial

desertei-me.
nem miragens
me trazem oásis

O título “Existencial” pode, de cara, nos levar ao Existencialismo de Sócrates, Platão e provavelmente, o de Sartre. Para Sartre a existência precede a essência.
Quando a autora diz no primeiro verso “desertei-me” ela dá a entender que está recusando a sua própria existência, provavelmente carente da "água", escassa, que seria essencial para manter-lhe a vida.
Mas ela parece ainda saber da sua importância como pessoa, como ser humano que é.
No segundo e terceiro versos, quando lemos: “nem miragens/ me trazem oásis” podemos inferir que está dizendo que nem aquilo que ela “cria” em sua mente, lhe trás mais felicidade. É possível que o amor que existia fosse maior que a miragem que, agora, apenas na imaginação, poderia lhe trazer o oásis, a redenção.
Não deixa de sugerir a essência da "união" de duas pessoas que se separaram.
Ou até mesmo das dores que a vida tem lhe trazido.
Do lado da técnica este Poetrix é o que todo poetrixta procura. Um título condizente com o texto, um poema conciso, de leitura fácil e que permite várias releituras.
A palavra “desertei-me” é o centro de todo o poema. Uma palavra interessante dentro do contexto, pois trás na sua literalidade a possibilidade de múltiplas interpretações. Uma delas a aridez de estar só ou ainda, a possibilidade de se estar sozinha em meio à multidão. Miragem é outra palavra que induz o leitor a criar em sua mente uma situação real de deserto com oásis por perto. Por falar em oásis, ele se contrapõe ao clima desértico criado no primeiro verso.
Muito bem escrito, sem dúvida!

16 - Um exemplo da poeta Maria Nelci.

Ninguém vê e nada pode ser ouvido

cinema mudo
natureza morta
cegos a olhar!

Um Poetrix interessante! Cheio de dicotomias.
Se fizermos uma leitura atropelada, podemos cair na armadilha preparada pela autora. Ela diz no título: “ninguém vê”. Mas as pessoas não estão dentro de um cinema? E as imagens?
Ela ainda diz: “natureza morta”. Está-se falando de uma obra de arte, um quadro em exposição? As pessoas estariam vendo-o, mas talvez, não estariam o enxergando.
Talvez até seja possível inferir aí uma possível crítica às pessoas que vão aos museus em busca de obras específicas, obras conhecidas mundialmente, e com isso, perdem a oportunidade de verem e descobrirem novas maravilhas.
A concisão do poema é intensa, poucas palavras nos levam a um mundo de várias leituras, este é um dos segredos do Poetrix.
Outro ponto importante do poema está na outra parte do título: “nada pode ser ouvido”. Aqui a crítica é mais severa e verdadeira. Se as pessoas não entenderem, com certeza, de nada adianta o que pode ser dito.
Quanto mais leio este Poetrix, mais imagens e leituras me vêm à mente.
Este jogo entre natureza morta e cinema mudo, é bastante rico. O termo Natureza-morta refere-se à arte de pintar e desenhar objetos inanimados, como frutas, jarros, cestos, entre outros. O filme mudo é aquele que não possui falas e sim sons que correspondem às imagens exibidas. Estas expressões da arte estão ligadas de uma maneira muito peculiar. No cinema mudo você vê, entende o que está acontecendo, embora não ouça os diálogos que são travados através dos sinais. Nos quadros de Natureza-morta você vê e também entende, porém existem significados que vão além do que está ali representado. Essas telas representam cenas religiosas.
As pessoas não veem além...
Por tudo isso e talvez, muito mais, a autora afirma... “Cegos” a olhar!

17 - Este é um dos raros exemplos de Poetrix que tenho guardado a sete chaves. É de autoria do Poetrixta, Lorenzo Ferrari, um amigo que fiz, através do Poetrix. Um dos únicos com o qual foi feito Duplix por Sara Fazib.

Flash

Lança seu andar em calças brancas,
Firmamento de um desejo inalterado
Em sedução e loucura, me calo.

Veja que este Poetrix tem um texto mais extenso, contrastando com o título: "Flash"... não tinha como ser diferente! Em um flash, várias coisas podem acontecer, e, mais ainda, acompanhadas de grandes sensações e sentimentos. Muito bacana!
O título, bem colocado, já nos dá a tônica do texto. Não deixa dúvida de que se trata de algo passageiro e veloz.
Quando o autor diz: "Lança seu andar em calças brancas", logo no primeiro verso, ele está retratando o caminhar "apressado" de alguém que não está ao "seu alcance" - um piscar de olhos e foi-se!
No segundo verso ele revela o seu segredo: "Firmamento de um desejo inalterado".
A cena se passa como um raio, quem viu, viu!
No entanto, nada mudou para ele. Por isso ele diz: "Em sedução e loucura, me calo."
O último verso é muito bonito, nele o autor deixa clara a sua frustração diante do que ele desejava e que lhe fugiu das mãos, em um mísero instante. Aqui eu lhe pergunto, meu amigo, e se este verso fosse assim?

Passar_ela

em sedução
e loucura,
me calo.

Teríamos um Poetrix dentro do outro. Confesso que nunca vi isto. Fica lançada a ideia.
Um exemplo de como um único Poetrix pode ser rico e abrir novas possibilidades poéticas!
E viva a Poesia!!!

18 - Divi_dida

não queria
ser deus,
só duas...

Um Poetrix que gosto muito, da minha amiga, Aila Magalhães.
É até difícil fazer comentários sobre este terceto, tendo em vista sua grande concisão. São três versos bem pequenos, mas carregados de significados.
Um título inovador. Já nos dá a entender que há uma divisão. Ou algo partido ao meio. Ou dois inteiros, separados.
O texto em si não exigiria um título. Diz tudo por si só! Sua importância, no entanto, continua existindo pelo fato de que a Bula Poetrix exige que estes tercetos tenham título. Uma de suas marcas registradas.
O primeiro e o segundo versos formam uma ironia pra lá de refinada, um exagero literário! Ela diz que não queria ser deus. Observe que a autora escreveu "deus" com letra minúscula, deixando claro que ela está se referindo a um deus, quase que de carne e osso. Talvez se reportando a uma deusa, com tantos afazeres, diuturnamente. Um ser "normal", de fato e de direito, não conseguirá fazer tanto! A mulher em seus dilemas e dicotomias.
No terceiro verso, ela se revela como uma pessoa "quase" normal, dizendo que só queria ser duas. Talvez para fazer frente a tantas obrigações cotidianas ou, até mesmo, para ter o direito de ser mais de uma, não se enquadrando em quaisquer estereótipos.
E viva a concisão!!!

19 - Fugaz

cama desarrumada,
liberdade para as borboletas
estampadas nos lençóis...

Como é bom poder falar da minha amiga e parceira, Tê Soares. Companheira dos versos e dos bate-papos lá do início do ano de 2000. Juntos criamos o Duplix, o Triplix e o Multiplix, que têm nos dado tantas alegrias.
Mas o que quero, neste momento, é falar sobre o seu belo e intenso Poetrix.
O título já vem com uma força desproporcional, nos dizendo que se trata de algo que desaparece rapidamente, ou que dura muito pouco. É um momento - efêmero e passageiro.
O primeiro verso já descreve o fato, nos mínimos detalhes - "cama desarrumada". Não precisa dizer mais nada!
O segundo e o terceiro versos são carregados de simbologia. Borboletas que transcendem os lençóis, seus "casulos". É como se a liberdade se tornasse total e irrestrita.

*Este Poetrix tirou o 1º Lugar nos I Jogos Florais, “Palavras e Música”, Chamusca – Portugal.

20 - Assalariado

vende a vida inteira
pelo pão de cada dia
a liberdade boia, fria

Um expressivo Poetrix de Goulart Gomes, o criador do Poetrix. Amigo que ganhei de presente, junto com os tercetos.
Uma crítica social muito forte.
Refere-se aos trabalhadores que têm uma remuneração mensal, a ser paga por serviços prestados.
O primeiro verso expressa nitidamente a revolta do autor com a condição "desumana" em que vivem os que vendem suas vidas por um punhado de moedas.
Continua evidente no segundo verso, quando diz: "pelo pão de cada dia". Aqui ele reforça o que foi dito anteriormente - muito trabalho, pelo básico.
É importante observar que depois da palavra "boia", no último verso, tem uma vírgula. Ela ressalta o significado do que chamamos de "boia-fria", trabalhador que leva sua refeição de casa para se alimentar no lugar em que trabalha. Porém, vai muito além disso. A liberdade do assalariado boia..... fria, ou seja, inexiste.
Penso que o autor está nos dizendo que o assalariado, de modo geral, não consegue fugir do contexto no qual foi inserido e do qual depende a sua sobrevivência e a dos seus. Por tudo isso, sua liberdade é apenas aparente. Porque, "se vende por um prato de comida" - fica à margem da sociedade, como se fosse um número nas estatísticas e não uma pessoa.

A palavra "fria" no último verso, é de uma ironia ferrenha, dantesca. Retrata com exatidão a crueldade que tal situação representa dentro de uma sociedade capitalista. Tão duradoura e injusta, que já esfriou...

Realidade dura, porém, poesia de grande beleza e alcance.

E viva a Poesia!!!

21 - Um exemplo da poeta Sara Fazib.

n a d a d o r

A dor era rasa.
A mágoa
mal chegava no peito.

Este é um Poetrix de rara construção, um daqueles que gostaria de ler todos os dias.
Começando pelo título.
Veja que ela escreveu nadador com espaços entre as letras e com todas as letras em minúsculo, este não é um caso comum. Confesso que ainda não vi outro título escrito desta forma. Isto não foi por mero acaso, não sei o que foi que ela pensou, mas imagino que foi para dar a ideia de que, aquela dor, já vinha se arrastando, deixando um rastro. Que fosse alguma coisa intermitente, que cessa e recomeça por intervalos descontínuos.
Para completar a minha sensação, no título ela ainda rimou nadador com dor. O que ficou muito bom.
Veja que contraponto incrível: o título "n a d a d o r" com o primeiro verso que diz: "A dor era rasa". Ah, que coisa! Na verdade, não era rasa nem funda, apenas uma dor de "mentirinha".
Note que a autora põe um ponto final logo no primeiro verso como se já dissesse tudo. Mas em seguida retoma a fala para dizer que a mágoa nem chegava no peito, para confirmar que a dor, mesmo sendo dor, era algo quase irrelevante.
Uma outra possível interpretação seria a de que a dor ainda não era funda o suficiente para encher o peito e inundar os olhos, mas isto não a fazia pequena. Pelo contrário.
Um Poetrix com uma pontuação bem condizente com o texto, além de uma boa concisão e leveza.

22 - Este é mais um voo poético que realizo com um enorme prazer e dedicação ao Poetrix. Convido vocês a voarem comigo rumo ao infinito dos versos.

E viva a poesia!!!

Pedro Cardoso