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11 de mar. de 2022

Fatiar ou não fatiar - por José de Castro

 


“FATIAR OU NÃO FATIAR, EIS A QUESTÃO.”
(Shakespeare Poe...trixta)

Por José de Castro*


Venho observando que o poetrix tem um certo charme e grande facilidade para angariar adeptos. Só no Recanto das Letras contabiliza-se quase 180 mil poetrix, um volume bem maior que o do seu ancestral milenar, o haicai. Uma das razões para isso deve-se ao fato de as pessoas acharem o seu cânone simples e fácil de seguir. Afinal, é um terceto com até 30 sílabas poéticas, dotado de título. Um poema pequeno que, ao contrário do haicai, pode situar-se tanto no presente quanto no passado ou no futuro. Além do mais, a temática é livre, podendo tratar de qualquer assunto. Permite figuras de linguagem, pode ser surreal, usar o nonsense e explorar outras possibilidades, quase infinitas.

Por tudo isso, observa-se essa produção significativa. Só que muitos estão escrevendo tercetos comuns, que não se enquadram com perfeição dentro do cânone, pois não percebem certos detalhes sutis que se escondem entre o título e os versos para se conseguir escrever um poetrix genuíno, “puro sangue”, como se diz.

Um dos principais equívocos ou descuidos cometidos refere-se a algo que, infelizmente, é uma prática ainda muito comum: versos construídos a partir de uma frase quebrada em duas ou três partes. Na maioria dos casos a pessoa nem se dá conta disso. Às vezes, o próprio título incorre nesse mesmo pecado de não se bastar por si só.

A Bula Poetrix toca nessa questão, sem aprofundá-la. Um dos objetivos desse texto é lançar um pouco de luz sobre essa questão. Vejamos o que a Bula diz no subitem 5.1, do item 5, Contraindicações: “Evitar as orações coordenadas. Um poetrix não é uma frase fragmentada em três partes.” 
Já o texto “Diretrizes da AIP”, no item 1.2 Independência sintática de cada verso, alerta: “No Poetrix, cada verso apresenta independência sintática, de modo que não se separam os termos de uma oração em dois ou três versos só para compor o terceto. Para efeito de rima e métrica, isso é comum em outros poemas, mas, no Poetrix, cada linha tem seu sentido plenamente definido.

Sob minha ótica, qualquer tipo de fragmentação entre versos, ou entre o próprio título e o primeiro verso, deve ser evitada. Por exemplo, a quebra de uma frase em duas, entre o primeiro e o segundo verso não deve ocorrer. Deve-se evitar também quando isso ocorre entre o segundo e o terceiro versos. Em todos esses casos há um desperdício, uma subutilização dos versos, perda de oportunidade poética.

Outra coisa: na poesia, existe um conceito batizado de “enjabement”, que é a ruptura de uma unidade sintática no final de uma linha ou entre dois versos, caracterizando uma quebra, quando um verso continua no outro. Isso pode ser válido para os poemas mais longos, nos quais há espaço para se trabalhar com folga. Não é o caso do poetrix, no qual o campo expressional é um espaço mínimo que precisa ser bem aproveitado. O poeta deve extrair o máximo de poeticidade, tanto no título quanto nos três versos. Deve utilizar o máximo de recursos que embelezam um poetrix, como as metáforas, por exemplo. Ou procurar dar o “salto” ou surpreender o leitor com algo inesperado. Então, no lugar de quebrar frases, deve buscar elementos narrativos que encantem o leitor. Por isso, acho estranho quando o poeta se dá ao desperdício de elaborar versos, cada um deles, sem expressão própria. Com isso, perde-se a oportunidade de experimentar novos caminhos para o poetrix avançar em sua linguagem minimalista. Na verdade, estão criando tercetos, como tantos que existem, e os chamam indevidamente de poetrix.

Algumas pessoas costumam dizer que a segmentação de frases pode ser permitida quando existe poeticidade. Discordo, pois o conceito de poeticidade é muito subjetivo. O que parece poético para alguém pode não ser considerado assim por outro. Contudo, uma quebra de frase sempre será vista como um arranhão no cânone poetrix, que precisa ser respeitado e valorizado como definidor do que é ou não é um poetrix.

Outros, têm receio que essa observação em não segmentar frases afaste iniciantes do gênero, que achariam o cânone complicado. Não enxergo dessa maneira, pois é melhor que todos aqueles que quiserem escrever poetrix, desde o começo, já saibam que nem todo terceto pode ser considerado um poetrix. Sob pena de termos uma infinidade de pessoas escrevendo algo que, na verdade, não é poetrix. Considero que o não segmentar frases, seja em dois ou três versos, é uma das principais características definidoras do gênero, ao lado de outras que já foram mencionadas, como figuras de linguagem, o salto e a surpresa, além de se buscar atender aos valores preconizados pelo teórico e escritor Ítalo Calvino, nascido em Cuba e radicado na Itália, em sua obra Seis propostas para o próximo milênio.

Vejamos alguns exemplos de “poetrix” segmentados em frases. Mostraremos alguns artifícios para se corrigir isso. Para evitar constrangimentos, usarei, nestes casos, poetrix elaborados por mim.

O primeiro caso:

1.

DÚVIDA

Aquela canção
Daquela noite de lua
Foi amor ou bebedeira?

Observe que o primeiro verso tem seguimento no segundo: “aquela canção daquela noite de lua”.

Como resolver isto?