30 de mar. de 2021

Discurso de posse de Anthero Monteiro - Cadeira 5


Caros confrades, poetas, poetrixtas, amantes da poesia e da aventura das palavras:

Nesta despretensiosa comunicação, saltarei ao pé-coxinho entre alguns dos pontos principais do meu itinerário poético e biográfico, para eu próprio me lembrar do modo como cheguei até aqui. A referência ao patrono vai incluída no meu percurso.

O poeta começou aos 13 anos, quando frequentava, longe da terra natal, um colégio para ser missionário, o que nunca aconteceu, pois missionário tenho sido, sim, mas da Poesia, que levo às escolas, às bibliotecas e livrarias, aos bares e restaurantes, às salas de teatro e até às feiras e mercados.

O poeta que primeiro me catequizou foi o grande sonetista e meu homónimo Antero de Quental (que, no seu tempo, era também com “h”). Sabia de cor muitos dos seus sonetos, mas também poemas de Guerra Junqueiro, o poeta idolatrado pelas multidões em tempo de Regicídio e República, e de muitos outros poetas.

Aos 18 anos, tinha mais de 100 sonetos escritos, mas ainda não ganhava para poder publicar. A minha escrita era clássica e eu movia-me aí com extremo à-vontade. Aprendi depressa que essa Poesia já não se usava e tive que mudar de rumo, graças a muitos outros poetas que li, a começar por alguns da América Latina de língua espanhola (o mexicano Amado Nervo, a argentina Alfonsina Storni, o Nobel chileno Pablo Neruda sobretudo) e, depois, os modernistas Mário de Sá-Carneiro e Fernando Pessoa (Alberto Caeiro e Álvaro de Campos em especial) e, mais tarde, Drummond de Andrade, Alexandre O´Neil, Al Berto, David Mourão Ferreira e, depois ainda, Cesare Pavese, Wislawa Szimborska, Charles Bukovski, Ferlinghetti, sem esquecer (impossível) Mário Quintana e Manoel de Barros, que me deixam completamente desarmado. Tudo isto, entre dezenas de outros de todo o Mundo.

Organizei tertúlias por todo o lado em que líamos poemas de poetas convidados. Uma era no Clube Literário do Porto e tive a honra de ter podido contar com a poetrixta Jussara Midlej e, mais tarde, com o nosso mestre Goulart Gomes e o português Martinho Branco, também desta Academia.

Conheci o Poetrix nas redes sociais, mas já lera também Bashô, embora o primeiro haiku que conheci, ainda muito novo, e me encantou fosse de Issa Kobayashi:


Sê tu o jardineiro
da minha tumba,
grilo pequenino.


Sobre os meus livros, ver biografia. Destaco ter sido o primeiro português e o primeiro europeu a publicar, em 2002, um livro de poetrix, Esta Outra Loucura, que vai na 3.ª edição (2014) e que foi superiormente prefaciado pelo nosso Goulart Gomes, uma honra muito especial com que me mimoseou. O terceto mais conhecido reza assim:


SEMÁFORO

atravesso a vida no vermelho
mas avanço sem medo
graças ao verde dos teus olhos


Para terminar, algumas palavras sobre o patrono que escolhi para a Cadeira 5 – Eugénio de Andrade, nascido em 1923 numa pequena freguesia do concelho do Fundão, perto da Serra da Estrela. Veio viver para o Porto em 1950 e muitas vezes fui à foz do Rio Douro só para ter o prazer de passar no Passeio Alegre onde viveu, mesmo depois de ter desaparecido do nosso convívio em 2005.
Eugénio de Andrade


Conheci-o pessoalmente, uns bons anos antes, numa escola. Deve ter percebido que eu gostava de poesia, porque, não me parecendo muito simpático nem com os alunos nem com os jornalistas, creio que se estabeleceu uma certa empatia entre nós. Percebi que era rigoroso e que a poesia para ele era algo muito sério. Eu sabia bem o que ele representava na literatura portuguesa. Algum tempo depois, foi Prémio Camões e é um dos poetas portugueses mais traduzidos para outras línguas.

Portugal também tem alguns poetas conhecidos pelo culto da brevidade, da leveza e da sobriedade: Mário-Henrique Leiria, António Ramos Rosa, Francisco Duarte Mangas, Jaime Salazar Sampaio, Albano Martins, João Pedro Mésseder, Pedro Mexia, Manuel Silva-Terra, João Luís Barreto Guimararães, Jorge de Sousa Braga, entre outros, mas Eugénio de Andrade prima por uma escrita sintética que, ao contrair-se, simultaneamente se expande numa espécie de prolongamento significante, uma auréola de forte densidade poética, como se vê por alguns destes exemplos:


POEMA PARA O MEU AMOR DOENTE

Hoje roubei todas as rosas dos jardins
e cheguei ao pé de ti de mãos vazias.



ESPERA

Horas, horas sem fim,
pesadas, fundas,
esperarei por ti
até que todas as coisas sejam mudas.

Até que uma pedra irrompa
e floresça.

Até que um pássaro me saia da garganta
e no silêncio desapareça.



ARTE DE NAVEGAR

Vê como o verão
subitamente
se faz água no teu peito,

e a noite se faz barco,
e minha mão marinheiro.




VENEZA

Que música não serias
se não fosses água?

BALANÇA

No prato da balança um verso basta
Para pesar no outro a minha vida.


O último poemeto é do seu livro Ofício de Paciência, suficiente para explicar como escrever poemas tão breves e tão intensos. E, se quisermos encontrar em Eugénio de Andrade algo que tenha muito a ver com o Poetrix, bastará atentar na epígrafe deste mesmo livro, com a seguinte citação de Mies van der Rohe: “Menos é mais”.

Um obrigado enorme ao criador da Academia pelo convite para nela participar. Farei o que for possível.

Anthero Monteiro

24 abril 2021

2 comentários:

Lílian Maial disse...

Fiquei muito feliz de conhecer um pouco mais do confrade e de seu patrono Gosto muito de autores portugueses, cuja leitura me acostumei desde a adolescência. Muito bom ler-te, meu querido!

Dirce Carneiro disse...

Amo a Literatura Lusa - universal, porque bela. Prazer em conhecê-lo, poeta.