30 de mar. de 2021

Discurso de posse de Marilda Confortin - cadeira 14

Discurso de posse de Marilda Confortin na AIP - Academia Internacional Poetrix - Cadeira 14

Bom dia queridos poetrixtas integrantes da recém criada Academia Internacional de Poetrix. 

Não poderia haver um momento mais simbólico para a criação da AIP. Um momento de pandemia mundial onde todos os valores das sociedades estão em xeque e as artes se apresentam como um bálsamo para atenuar as perdas, a dor e a solidão do confinamento.

É nesse contexto que nosso poema pílula pode arrancar um sorriso, uma reflexão, ou simplesmente, nos fazer esquecer por alguns minutos o momento caótico que estamos vivendo

Parabenizo e agradeço ao criador do Poetrix, fundador e presidente da AIP, Goulart Gomes, por me convidar a participar de mais esse desafio. Incansável e competente GG, a você, minha silenciosa reverência.
Sinto-me privilegiada e agradecida por pertencer a esse grupo de dinossauros sobreviventes e novas espécies de poetrixtas. Estamos privados do convívio presencial, mas não há solidão que resista ao contato virtual diário com vocês. Sintam-se abraçados, poetas.

Um dos primeiros ineditismos da AIP foi cada membro escolher seu patrono. Com tantos poetas que nos inspiraram, escolher apenas um, foi muito desafiador. Quando eu pensava já ter decidido, outro poetrixta se antecipava e reservava o nome. Por fim, escolhi Mario Quintana (ele não gostava do acento) e tive sorte de ninguém ainda tê-lo mencionado.

Tenho muitos pontos de identificação com Quintana, mas, confesso que não conheci seus escritos nas escolas e universidade que frequentei no Sul do Brasil. Porque ele não era adotado? Comecei a lê-lo na década de oitenta, quando o jornal Correio do Povo faliu e Quintana perdeu o emprego. Sem dinheiro, foi despejado do Hotel Majestic, no centro histórico de Porto Alegre onde residiu por vários anos. Na época, ele virou notícia, não tanto por sua obra, mas, porque o comentarista esportivo e ex-jogador da seleção Paulo Roberto Falcão cedeu a ele um dos seus quartos no Hotel Royal e passou a sustentá-lo. Fiquei curiosa e fui atrás de sua história e obra. 

Quintana nasceu em Alegrete, RS, em 30 de julho de 1906 e faleceu em Porto Alegre no dia 5 de maio de 1994. Foi um boêmio muito sociável, porém, solitário. Nunca se casou, não teve filhos, viveu em pensões e hotéis, trabalhando como jornalista e tradutor enquanto escrevia seus próprios livros. À primeira vista, sua obra parecia imune aos problemas políticos, sociais e econômicos da sua época, marcada pela poesia engajada, contra a repressão da ditadura militar e pelo movimento modernista. Por esse motivo, foi considerado pela crítica como um intelectual alienado e deslocado da sua época. Será por isso que não o conheci antes? Talvez. Embora ache que alienada era eu. Mais tarde, pesquisadores e estudiosos pós ditadura, aprofundaram-se em sua obra concluindo que o poeta do contra revelava um apurado senso de denúncia, mas, se utilizava de estratégias irônicas, fantasiosas e humorísticas para criticar o contexto histórico, numa tentativa bem sucedida de não renunciar ao lirismo que fez questão de impregnar na sua obra.

Foi candidato à uma cadeira na Academia Brasileira de Letras por três vezes. Os grandes pássaros, como eram chamados os membros da ABL, não aceitaram o passarinho gaúcho que não se enquadrava em nenhuma escola literária e mantinha sua obra à margem dos acontecimentos sociais. Sem perder o rebolado, com peculiar ironia e humor, Quintana mandou seu famoso

Poeminho do Contra

Todos esses que aí estão
atravancando meu caminho,
eles passarão. Eu, passarinho!

Fazendo um paralelo, assim como Quintana, o Poetrix também não obteve o endosso dos passarões para ganhar os ares. Os poetrixtas são aves de arribação, livres para buscar a inspiração, onde quer que ela arribe.
Outra identificação do Quintana com os poetrixtas é a preferência pela síntese e a busca pela palavra certeira. Na sua auto biografia ele diz:

“Exatamente por execrar a chatice, a longuidão, é que eu adoro a síntese. Outro elemento da poesia é a busca da forma (não da fôrma), a dosagem das palavras. Note-se que é o mesmo caso de Carlos Drummond de Andrade, de Alberto de Oliveira, de Erico Veríssimo – que bem sabem (ou souberam), o que é a luta amorosa com as palavras.”

Quem nunca travou batalhas com a palavra? Um dos meus primeiros Poetrix, trata exatamente dessa quase raiva de algumas palavras que me fizeram perder o ônibus, a fome e o sono:

Vingança

Torturo as palavras
até que me digam
o que não querem dizer

Além de prosa e poesia, Quintana escreveu frases, pensamentos, epigramas em forma de quadras, dígrafos e outros textos curtos recheados de malícia, ironia e surpreendentes conexões inesperadas entre as coisas. Na linguagem do Poetrix, poderíamos chamar essas surpresas de “sustos”. Dois exemplos de autoria do Quintana:

Da sátira

A sátira é um espelho; em sua face nua, fielmente refletidas,
descobres, de uma em uma, as caras conhecidas.
E nunca vês a tua.


Do estilo

Se alguém acha que estás escrevendo muito bem, desconfia...
O crime perfeito não deixa vestígios.

A contribuição de Quintana para a literatura foi imensa e segundo os estudiosos de sua obra, ainda existe muita coisa espalhada, não registrada em seu nome, especialmente no universo das traduções. Sua bibliografia é composta por mais de trinta obras e de cento e trinta traduções oficias, sendo as mais conhecidas as obras de Proust, Balzac, Voltaire e Virginia Woolf. Além de incontáveis poemas, contos e histórias românticas traduzidos por ele, sem que seu nome constasse nas publicações − prática comum no mundo editorial da época.

Mas, quem sou eu para ocupar uma cadeira na AIP cujo patrono é o magnífico Mário Quintana? Ah... não sou ninguém, mas, tive essa oportunidade de homenageá-lo. Aproveitei. E como é de praxe, devo falar sobre meu eterno namoro com a literatura.

Meu encantamento pela poesia, vem da infância. O professor gaúcho Renato Palma, meu tio, costumava me embalar recitando poesias. É claro que eu não dormia. Com tenra idade percebi que o barulho da poesia na cabeça não me fazia dormir, mas sim acordar. Na escola primária, em Chapecó, SC, os professores nos faziam ler e declamar poesias nos palcos dos Grêmios Literários e no coreto da praça, em datas comemorativas. Peguei gosto pela leitura e declamação, mas, só mostrava meus escritos nas aulas de redação.

Aos dezessete anos, fui morar em Curitiba. Estudei na Universidade Federal, trabalhei com informática no Serpro e posteriormente na Prefeitura, mais especificamente na Secretaria Municipal de Educação. Casei-me com um colega de trabalho que nas horas vagas era músico. Marco Antonio Guiraud, falecido, pai dos meus amados filhos, Ébano e Nayara. Para ele eu mostrava os poemas de minha autoria. Daí, ele pegava o violão e começava a compor. Foram mais de 50 músicas. Uma delas, Clarão da Lua, ganhou o festival nacional de canção “Canta Serpro” em Belo Horizonte no ano de 1984. Quatro anos depois, uma música infantil de nossa autoria, na voz do filho com 7 anos à época, ficou em primeiro lugar na “Gala Nacional dos Pequenos Cantores”, evento apoiado pela UNICEF. E lá fomos, a família inteira para Portugal, representar o Brasil na “10ª Gala Internacional de Pequenos Cantores” onde também fomos premiados. Quem brilhou mesmo, foi o pequeno Ébano que ficou conhecido como o “irreverente miúdo brasileiro”.

Por volta do ano 2001, numa sala de poesia virtual do Terra, conheci vários poetas enrustidos como eu, que mais tarde se tornaram amigos presenciais. Entre eles, nosso colega acadêmico Hércio Afonso de Almeida, o qual, considero meu padrinho nesse gênero literário. Lendo minhas tentativas de haicais influenciadas por Leminski e Kolody, delicadamente Hércio disse que eu precisava estudar mais aquele poema oriental. Aconselhou-me a conhecer um novo gênero, recém-nascido, chamado Poetrix. E começou a me seduzir com tercetos insólitos de autoria dele e de outros autores que me conquistaram e influenciaram, tais como os de autoria de Goulart Gomes, Aila Magalhães, Lilian Maial, Sonia Godoy, entre outros. Um ano depois, criei coragem e enviei por e-mail meu primeiro Poetrix para Goulart Gomes.

Ménage à trois

Papa, Bocage e Dalai Lama
empilhados na cabeceira
da minha cama

O pai do Poetrix respondeu-me descontraído: “Você é imagética pacas, hem?” (ainda guardo esse e-mail, GG) e convidou-me para participar do grupo que ele havia criado no Yahoo. Entre lisonjeada pela resposta e honrada, aceitei o convite. Foi a partir daí que me aprofundei nessa arte e conheci muitos dos que estão aqui na AIP. Começamos a nos ler, criar oficinas, berlindas, ensaios, discutir regras, promover concursos, antologias e divulgar o Poetrix na Internet. Até virei coordenadora estadual do MIP. Me encontrei no estilo e fiquei sem vergonha. Mostrava meus poemas pra todo mundo.

Ainda sobre o Hércio, numa dessas trocas de e-mails, em 2002, no dia da Mulher, ele me enviou um poema ilustrado, todo singelo, para me homenagear. Respondi mal educadamente com um enorme texto bem feminista. Em vez de ficar brabo, o danado elogiou o texto e me enviou um link de um concurso internacional chamado “Mariposas Mujeres Sin Capullos”, dizendo que eu deveria trabalhar naquele ensaio e inscrevê-lo no concurso. Não é que tirei o primeiro lugar? Pois é. Fui receber o prêmio em Brasília. Lá, além de ser paparicada pelo Hércio e sua esposa (sempre grata, queridos), conheci Lina Zeron, uma escritora mexicana que também concorria ao prêmio e promovia um encontro internacional de poesia. Não acreditei muito quando ela me convidou para participar. Passados uns quinze dias, recebi um convite oficial do órgão organizador do evento, convidando-me a ser a representante do Brasil no “X Encuetro internacional de mujeres poetas en el pais de las nubes”, Oaxaca, México. 

E lá fui eu na primeira das várias maratonas de recitais poéticos. Lina Zeron, hospedou-me em sua casa e publicou gratuitamente um livro de poemas meus em espanhol. Ela é fantástica! Recentemente fez uma leitura de meus poemas em espanhol, numa live chamada Cóctel Molotov De Poemas Incendiarios. Nos anos seguintes vieram outros encontros poéticos: Uruguai, Argentina, Nicarágua e México novamente, além de muitos saraus pelo Brasil. Em todos eles, eu aproveitava qualquer f(r)esta para plantar uma sementinha de Poetrix.

Outro prêmio que não posso deixar de citar, foi em 2001, no Concurso Nacional de poesias Lindolfo Bell, com a poesia “Um brinde”. Esse eu devo à Anair Weirich, poeta catarinense e amiga de infância que sempre incentivou a tirar meus poemas da gaveta.

Em 2008, lancei o livro de Poetrix, Lua Caolha, na Biblioteca Pública do PR. Prefaciado por Goulart Gomes e José Marins - um haicaísta paranaense que provou não haver rivalidade nenhuma entre os dois gêneros. O livro já está na segunda edição.

Publiquei outros seis livros de poesia e prosa e alguma coisa digital em plataformas gratuitas, sites e blogues literários.

Em 2012 obtive aprovação de num projeto na Lei Municipal de Incentivo e ministrei oficinas e palestras sobre poesia com ênfase no Poetrix, em escolas, bibliotecas e universidades. Vi espanto e admiração, principalmente dos professores e estudantes do ensino médio e superior, ao se depararem com o Poetrix. Senti também a frustração das crianças do ensino fundamental por não compreenderem bulhufas do que eu estava falando.

Participando da Caravana da Poesia, projeto da Secretaria Estadual da Educação do Paraná, que levou escritores e artistas a escolas dos municípios inclusive em ilhas do PR, tirei uma conclusão contrária à de alguns acadêmicos da nossa AIP: O Poetrix é um poema pequeno, mas não é para crianças. Na minha opinião, até os dez, doze anos, os pequenos não tem maturidade nem perspicácia suficientes para compreender e compor bons Poetrix. Muitos adultos, poetas renomados até, não percebem a sutileza desse gênero. Sua composição pede, entre outras coisas, o estudo das figuras de linguagem que só começa ser introduzido no currículo escolar lá pelo nono ano, aos quatorze ou quinze anos de idade, quando já são adolescentes. Depois, no ensino médio elas são reforçadas e expandidas. Aí sim o Poetrix pode ser uma ferramenta muito eficiente para os professores auxiliarem seus estudantes na compreensão de textos mais complexos da literatura, das letras de música, na aquisição de vocabulário e no desenvolvimento da síntese. Conheci professores criativos que utilizaram com sucesso o Poetrix numa abordagem multidisciplinar inclusive na universidade.

Por esses motivos, depois de algumas tentativas frustrantes, decidi deixar o aprendizado das crianças para os especialistas em literatura infantil. Ao meu entender, a ingenuidade, não é um dos atributos do Poetrix.

E cá estamos nós, em plena pandemia mundial do Covid-19, criando uma academia. Sei que não sou imortal, mas como disse o patrono Mario Quintana:

Das utopias

Se as coisas são inatingíveis... ora!
Não é motivo para não querê-las...
Que tristes os caminhos, se não fora
a presença distante das estrelas!

Muito obrigada a todos e vamos em frente!

Marilda Confortin

2 comentários:

Ébano disse...

Muito bom!

Dirce Carneiro disse...

Mario Quintana está orgulhoso e agradecido, pela homenagem a ele prestada. Grande poeta e pessoa especial você é. Honra e aprendizado estar no mesmo espaço, trabalhando Poetrix.