Ximo Dolz (Joaquim Dolz)
Senhora Presidente Valéria Pisauro, Senhoras e senhores Acadêmicos, queridas e queridos poetas, amigas e amigos das plataformas Poetrix.
Sou Joaquim Dolz, mas assino apenas Ximo, nome pequeno que guarda minha infância e, talvez, o modo mais verdadeiro de entrar no território sensível do Poetrix. Ter sido eleito para integrar a Academia Internacional Poetrix, AIP, é, para mim, mais do que uma distinção: é um espanto luminoso, um susto doce no terceiro verso da vida.
Não sou nativo da língua portuguesa, não herdei linhagens literárias nem pertenço ao berço cultural que hoje tanto admiro. Chego como estrangeiro, aprendiz e viajante. E, justamente por isso, sinto ainda mais profundo o significado deste gesto de acolhimento. Aceito-o com humildade, com gratidão e com a alegria serena de quem encontra, em terra distante, um lar tecido de palavras.
O Poetrix chegou até mim quase como uma epifania. Acompanhava minha pós-doutoranda, Paula Cobucci, na investigação das potências desse gênero criado por Goulart Gomes, quando percebi que não era eu quem estudava a forma: era ela quem me estudava, me transformava, me convocava. Foi Paula Cobucci quem postou um vídeo no Grupo Selo Poetrix, no qual eu, entusiasmado, comentava o Poetrix a uma professora da Universidade de Genebra.
A poetrix Dirce Carneiro, membro do grupo, sugeriu o convite para que eu integrasse a plataforma Selo Poetrix. Fui aceito e recebi dela as primeiras mentorias, com generosidade e rigor.
Vocês me confiaram a Cadeira 30, cifra simbólica onde o Poetrix encontra seu limite de sílabas. É nessa morada que se celebra um patrono plurilíngue, japonês e português, que fez da língua uma ponte e uma travessia: Hidekazu Masuda Goga, mestre do haikai, autor de obras fundadoras cujo legado faz a natureza respirar em cada sílaba. Quero destacar o percurso poético desse jovem emigrante japonês de dezoito anos que chegou ao Brasil trazendo na bagagem pouco mais que a memória dos tempos de Hiroshima e o sopro espiritual do haikai.
Desde cedo, Goga transformou o desarraigo em raiz: fez do Brasil sua paisagem interior e, com olhar atento de artesão, colheu no cotidiano brasileiro, nos bambus e nos capinzais, nas águas mansas e nos temporais, a matéria sensível de seus versos. Foi ele quem abriu caminhos entre o haikai clássico e a sensibilidade tropical, sem perder a precisão do instante, a epifania do mínimo, o silêncio luminoso inscrito entre as palavras. Ao longo de décadas, formou discípulos, publicou livros essenciais e consolidou uma escola em que tradição e invenção não se opõem: respiram juntas.
Goga é um haigô, o nome literário com que selava seus haikais. Tenho especial apreço por meu novo patrono: “Goga” significa Rio Ganges. Segundo o próprio mestre, o Ganges é simultaneamente o rio mais impuro e o mais sagrado da Índia, metáfora das contradições que habitam a condição humana e também da minha própria tentativa poética de caminhar, livre, pelas sendas do Poetrix. No seu exemplo encontro humildade, rigor e a serenidade daquele que sabe que um único verso, se verdadeiro, pode iluminar uma vida inteira.
Assumir esta cadeira é assumir, igualmente, esse paradoxo fecundo: a poesia que nasce do mínimo, mas toca o essencial; o verso breve que abre janelas largas; o silêncio que, de súbito, se transforma em revelação. No Poetrix, descobri que a palavra pode ser leve sem ser frágil, breve sem ser pequena, contida sem ser limitada demais, porque, no seu interior, arde sempre um mundo.
Agradeço à Academia Internacional Poetrix esta honra tão generosa.
Agradeço às comunidades Selo Poetrix e Confraria Poetrix, que me receberam com mãos abertas e espírito atento.
Agradeço às poetas e aos poetas que me viram chegar estrangeiro e, antes de me conhecerem, já me reconheciam.
Permitam-me, com reverência e alegria, partilhar o que aprendi nesse caminho. Ofereço-vos meu Decálogo do Poetrix, não como norma, mas como homenagem:
1. A brevidade não é ausência: é presença intensificada, palavra que abre fendas de sentido.
2. Três versos podem conter uma vida inteira. Por isso, para mim, o Poetrix é escrita terapêutica.
3. A imagem que acompanha o poema e as metáforas (o imaxtrix, o retratrix) são sua respiração visual, sua segunda voz.
4. A música e o silêncio também escrevem; e, no Poetrix, são mestres da reflexão.
5. A concisão é irmã da coragem: dizer o essencial é arriscar-se.
6. O Poetrix deve surpreender até o próprio autor. Busco sempre o susto do último verso.
7. A poesia mínima exige entrega máxima: pesquisa, trabalho e lirismo.
8. A simplicidade é conquista, não atalho.
9. A liberdade é o eixo invisível do rigor.
10. E, sobretudo: o Poetrix é ponte entre pessoas, línguas, culturas e afetos.
É por isso que este gênero me é tão caro: nele, a palavra reencontra sua pureza original e a poesia seu gesto mais essencial.
Como professor e pesquisador, vejo no Poetrix um horizonte vasto para o ensino de línguas em plural. O poema breve convoca o aprendiz a experimentar: a tatear a forma, a escutar a música das palavras, a criar sentidos com economia, precisão e, acima de tudo, com liberdade.
O Poetrix educa o olhar, afina a escuta, desperta a autoria. Permite que cada estudante, seja brasileiro, espanhol, suíço, francês ou catalão, encontre na língua uma casa possível, íntima, própria.
Comprometo-me, assim, a trabalhar em três direções fundamentais:
1. Modelizar didaticamente o gênero, respeitando seus princípios e valorizando sua dimensão estético-literária.
2. Aproximar aprendizes da língua portuguesa através de práticas de criação poética que sejam autênticas, humanizadoras e libertadoras.
3. Construir sequências e itinerários didáticos inspirados nas plataformas digitais, unindo tradição e inovação, teoria e prática, escola e mundo.
Entro nesta Academia com o espírito leve e o coração aberto.
Não chego para disputar espaços, impor regras ou reacender tensões. Chego com a convicção profunda de que a poesia floresce onde há acolhimento, respeito e escuta.
O Poetrix nasceu de um gesto de liberdade, e é essa liberdade que desejo honrar. Menos fronteiras, menos prescrição; mais pontes, mais diálogo; mais criação, mais mãos estendidas.
Recebo esta cadeira como quem recebe um barco: com respeito pelo ofício e com vontade de navegar. Que eu seja digno da linhagem que herdo. Que eu aprenda, a cada Poetrix, a respirar mais fundo, a ver com mais nitidez, a escutar o que se cala. E que meu verso, ainda estrangeiro, encontre morada na sensibilidade desta Academia.
Muito obrigado.
2 comentários:
Seja muito bem-vindo, mestre Dolz. Com certeza você nos premiará com excelentes contribuições para o crescimento e a difusão do Poetrix mundo afora... Um abraço afetuoso.
Seus poemas, experiências e reflexões serão de grande valia para a AIP. Seja bem-vindo e obrigada pelo discurso significativo.
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