25 de dez. de 2025

Discurso de Carmem Galbes - cadeira 31

Caros membros da diretoria, prezados acadêmicos, senhoras e senhores,

É com o coração em estado de poema que me apresento.

Sou Carmem, um nome que, por muitos anos, me pareceu grande demais, forte demais para uma menina ainda sem voz ativa. Até o dia em que descobri que, em latim, Carmem significa “poesia”.

Ali, algo se alinhou em silêncio.

Como se o futuro tivesse me dado um aceno discreto e terno, dizendo: “vem, é por aqui. Você nasceu palavra.” Em um destino feito de verso e prosa, que mais tarde se consolidaria na carreira de jornalista.

Minha história com a escrita começou na adolescência, naquele território entre o corpo em sala de aula e a mente nas nuvens.

Enquanto o mundo cobrava presença, a palavra me oferecia transcendência: uma forma de narrar o inenarrável, de mostrar o monstruoso, de digerir o impalatável e, assim, seguir humana.

Na minha vida - inclusive a profissional - a palavra é ferramenta, ponte e abrigo.

Com a palavra, eu erro, aprendo, me desenvolvo, educo meu filho, me relaciono, ganho a vida e,sobretudo, ganho vida.

O Poetrix entrou na minha trajetória como uma revelação: três versos, um universo.

O número 3, símbolo da criação, sempre me fascinou: Pai, Filho e Espírito Santo; corpo, mente e alma; início, meio e eternidade.

Ao conhecer o Poetrix, em uma disciplina do curso de formação de escritores, percebi que sua força não é apenas estrutural, é espiritual.

Ele é síntese, essência e impacto.

É precisão que arde.

É intensidade que respira.

No poetrix me vi como alguém que habita profundezas, mas que ama a contenção do raio que se fecha em três linhas.

Assumir hoje a Cadeira 31 é muito mais que um reconhecimento literário.

É uma espécie de reencontro.

É como se a menina que temia seu próprio nome finalmente coubesse, com serenidade, dentro da palavra que sempre a abrigou: poesia.

Aqui, diante de vocês, falo da honra e da responsabilidade de ter como patrona alguém que sempre admirei, e que, nos últimos meses, tornou-se presença íntima na minha trajetória: Hilda Hilst.

Foi caminhando pela Casa do Sol, sentindo o cheiro da madeira antiga, a vibração dos manuscritos, a força das paredes que testemunharam coragem, que compreendi o tamanho dessa escritora.

Hilda não apenas transgrediu a língua; ela atravessou a alma, a própria e a nossa.

Ela estava à frente do nosso tempo e, talvez, ainda esteja.

Ao andar por cômodos impregnados de sua energia, senti algo que não sei nomear, mas reconheço: não chego à Academia Internacional de Poetrix sozinha.

Há algo da mão de Hilda sobre o meu ombro.

Há algo do sopro dela na minha escrita.

Há algo do olhar inquieto dela me guiando.

É essa força que carrego comigo.

Permitam-me apresentar brevemente essa escritora que ilumina a Cadeira 31:

Hilda de Almeida Prado Hilst nasceu em Jaú, interior de São Paulo, em 1930.

Mulher de espírito jovem e vanguardista, nunca aceitou a ideia de uma existência discreta. Considerada uma das mais importantes escritoras brasileiras do século XX, é reconhecida por sua obra inovadora e profundamente espiritual.

Autora de cerca de 40 títulos - transitando entre poesia, teatro, prosa, crônicas e textos experimentais -rompeu fronteiras com o misticismo, erotismo, filosofia e metafísica.

Recebeu diversos prêmios literários e já teve sua obra traduzida para o francês, inglês, espanhol, alemão e italiano.

Formada em Direito pela Universidade de São Paulo, abandonou a carreira jurídica para dedicar-se integralmente à literatura.

Em 1966, mudou-se para a Casa do Sol, em Campinas - local projetado e construído por ela mesma - que se tornou um reduto da intelectualidade. Lá viveu e escreveu de maneira intensa e disciplinada, criando um dos acervos literários mais originais do país.

Sua obra, inicialmente incompreendida, alcançou reconhecimento tardio e hoje é referência fundamental na literatura brasileira contemporânea.

Visionária, inquieta, corajosa, Hilda investigou o sagrado, o desejo, a existência e o silêncio como poucos.

Sua escrita permanece viva, desafiadora e urgente, uma lâmpada acesa no escuro da nossa linguagem.

Assumir a Cadeira 31 sob sua luz é aceitar um pacto: o de escrever com coragem, com verdade, com limite nenhum e, ao mesmo tempo, com a delicadeza do que cabe em três versos.

Ela mesma se desafiou na microliteratura, no genial texto intitulado Desejo:

“Quem és? — perguntei ao desejo.

Respondeu: lava. Depois pó. Depois nada.”

Agradeço à espiritualidade que me trouxe até aqui e, numa sincronicidade emocionante, colocou Hilda em meus caminhos.

Agradeço à minha família pelas raízes que sustentam e pelas asas que libertam.

Agradeço aos colegas poetas, em especial a Goulart Gomes, Luciene Avanzini e Lourenço Ferrari, e a esta  Academia pela confiança, pela acolhida e pela oportunidade de integrar um círculo voltado para a síntese, a beleza e a profundidade.

Prometo seguir contribuindo para que o Poetrix continue sendo o que sempre foi: um texto minimalista, jamais minúsculo.

Muito obrigada!

2 comentários:

José de Castro disse...

Parabéns, Carmem... Parabéns pelo discurso pleno de poesia. É uma alegria ter você aqui conosco... Um abraço...

Marilda Confortin disse...

Esse discurso poético faz jus ao seu nome, Carmem. Hilda Hilst e nós estamos felizes com sua presença. Bem vinda! 😘