15 de jul. de 2023

Coluna Literária - À LUZ DA POESIA - por Pedro Cardoso




Um grilo em casa

melodia verde
cricrila a vida e eu canto
pequena esperança na parede

Lilian Maial 


Estou sempre à procura de poetrix que me façam pensar e querer falar sobre eles. Que me encantem também e fustiguem minha cabeça inquieta e barulhenta. Hoje me vejo diante deste poetrix da poeta Lílian Maial. Eu o li e reli, algumas vezes, tentando escarafunchar suas linhas e entrelinhas. Ora de frente para trás, ora de trás para a frente. Um vaivém de deleite, nem sempre silencioso.

Minhas leituras são fatiadas.

Primeiro leio o título. Tento decifrar o que ele quer me dizer no todo. Reflito sobre as possibilidades que vão surgindo em minhas alucinações. Esqueço, a princípio, a leitura literal do texto. Para mim é o que menos importa, de início.

Vislumbrei duas premissas interessantes. Esta é uma característica marcante no poetrix: permitir várias interpretações.

Primeira: Um grilo em casa. Ele pode ser um problema, uma preocupação ou um transtorno. Isto é um fato corriqueiro em nossas vidas do dia a dia. Fiquei com ele manquitolando em minha austeridade por alguns instantes preciosos.

Segunda: Um grilo em casa. Um inseto, um pequeno animal que traz significados mais comumente ligados à boa sorte em qualquer área de nossas vidas. Representa o salto, carrega uma mensagem de mudança, revelando a necessidade de se mover, caminhar, pular em outras direções.

Pois bem, parto então para o primeiro verso que diz: "melodia verde".

Ele está diretamente ligado ao segundo e terceiro versos. Essa conexão já nos passa a informação de que o bicho não é um qualquer, mas sim, um grilo verde barulhento.

Já no segundo verso, é importante observar o que a autora diz: "e eu canto".

Sinto como se ela estivesse dizendo que "louva_a_deus" com o seu canto, em uníssono com o cricrilar do Esperança.

Não se contenta apenas com o "canto" dele. Vai além do esperado.

O terceiro verso, para mim, é o mais significativo.

A expressão "pequena esperança" é bacana. Se o leitor não estiver atento, não vai entender nada de nada, vai remar, remar e morrer na trincheira da poesia.

Ela está falando de um animal bem pequeno. Na verdade, quando entra em casa, de livre e espontânea vontade, mesmo que seja diminuto, ele pode simbolizar, para nós, prosperidade para a vida.

É intrigante observar que a autora é uma profissional da saúde, que vive e trabalha em uma metrópole. Uma cidadã urbana por excelência. Porém, o que ela nos descreve pode ser mais associado às pessoas que vivem em comunidades rurais ou em pequenos povoados.

Chego a inferir que, como o grilo que pula, ela está dando um salto triplo do urbano para o bucólico.

Quem sabe, até em busca de uma vida mais tranquila e pacata.

Assim sendo, ouso dizer que este é um poetrix extremamente simbólico.


PS: Este poetrix me fez lembrar do "putzgrila". Tão usado na minha juventude. Expressão que surgiu com o jornal O Pasquim, um dos símbolos da contracultura da época.


E viva a poesia!!!

Pedro Cardoso


15 comentários:

Marilda Confortin disse...

O Pedro tem esse raro hábito de procurar e esmiuçar bons Poetrix. Ele não analisa as regras, as formas, óbvio. Ele garimpa preciosidades, significados ocultos, outros sentidos. Admiro essa leitura profunda. Lílian deve ter se sentido como seus pacientes quando deitam na maca, semi nus e ela, a Dra Lilian, examina e apalpa pedacinho por pedacinho 🤒 A diferença é que, no caso desse texto, o médico é Dr Pedro, e o paciente é o Poetrix da Lílian 😅.
Parabéns, Pedro. Muito legal seu texto.
Parabéns Andréa pela criação da "coluna literária" e parabéns Dra Lílian, a saúde de sua poesia está excelente. 🤩

José de Castro disse...

Gostei desse novo lançamento da AIP, Coluna Literária. Parabéns ao Pedro Cardoso pelo texto e à Lílian Maial pelo belo poetrix. Eu também vou escolher alguns poetrix para comentar. Gostei da ideia... Vamos que vamos...

Dirce Carneiro disse...

A ideia é ótima. Oportunidade de lançarmos nossos olhares sobre poemas e dizermos das belezas ocultas ou não nas criações literárias de poetas que fazem Poetrix. Parabéns à AIP pela iniciativa. Mais uma via de difusão e aperfeiçoamento desse poema miúdo ao qual nos dedicamos, no âmbito do minimalismo. E viva a Poesia, viva o Poetrix, fazendo eco à saudação de Pedro Cardoso, que inaugurou esta coluna com seu habitual entusiasmo de menino povoado de sonhos.

Anônimo disse...

Um título, três versos.. a forma está pronta.. o belo poetrix foi finalizado pela autora…mas de repente ele é continuado através de uma análise da sua gênese vista por um olhar de especialista.. assim tivemos o privilégio de apreciar e entender como pode ser uma construção. Um artista descobrindo a arte de outro artista.. trilogia autor-obra-leitor. Eu cá dizendo “espetacular”. Entendedores entenderão!👏👏👏

Francisco José disse...

Boa iniciativa, que deve se tornar um hábito... É bom para o exercício da crítica bem como, para valorizar o escritor. Parabéns aos dois.

Andréa Abdala disse...

É admirável saber como o leitor se debruça sobre um poema, ainda mais sendo este um poetrix, tão pequeno e grandioso. A poesia minimalista nos traz belezas e nos surpreende todos os dias. Pedro foi perfeito ao detalhar a poesia neste belo poema de Lilian Maial. Esta Coluna vai nos proporcionar encantos e mais surpresas. Um brinde para a criação da Coluna Literária!!

Lílian Maial disse...

Que maravilha ter um poetrix de minha autoria “escarafunchado” pelo Pedro Cardoso! Fiquei muito envaidecida. Como já disseram, Pedro tem esse olhar esmiuçador de um poema sintético, o que é bem difícil, haja vista a polissemia abundante nessa escrita minimalista. No caso desse poetrix, as metáforas ocupam todo o poema, desde o título. Como bem lembrado pelo Pedro, “grilo” é um
inseto, mas também uma expressão amplamente usada na década de 70, querendo significar problema, preocupação, inquietação.
Um grilo em casa pode ser um inseto cricrilante, ou uma preocupação, um problema. A melodia verde, tanto pode significar o cricrilar do inseto, quanto uma canção da natureza, e eu canto, ou seja, eu vou na onda, eu assumo, eu vivencio, eu vibro. A pequena esperança na parede é a chave-de-ouro como no soneto, o elemento surpresa do poetrix, que traz a mensagem de fé (esperança), ou alusão ao próprio inseto, que pode ser verde. Uma esperança na parede pode trazer o significado de luz no fim do túnel para um problema em casa, pontal grilo do título.
Obrigada, Pedro, pela leitura e análise desse meu poetrix.
Obrigada aos amigos pelos comentários felizes!
E, sim, Marilda! A Drª Lilian l, aqui paciente, experimentou a dissecação do Dr. Pedro e saiu curada de todos os grilos!

Lílian Maial disse...

A melodia verde também pode significar, nesse poetrix, imaturidade ou precocidade da situação.

Anônimo disse...

Um passeio metafórico intumescido de lirismo, uma espontaneidade de ternura e delicadeza. Uma descrição singela intrincada no cotidiano que nos salva. Maravilhosa crítica poética que disseca a exuberância desse momento poético. Parabéns a ambos, bela iniciativa que brinda a nós todos leitores.

Anônimo disse...

Esse anônimo foi da minha amiga Vilma Belfort.

Andréa Abdala disse...

👏🏼👏🏼👏🏼👏🏼👏🏼

Andréa Abdala disse...

Bem-vinda, Vilma! 🌷

Bianca Reis disse...

Ótima ideia a coluna! Ótima análise! Ótimo poetrix! Parabéns triplo.

Anônimo disse...

Eu gostei demais do modo didático como Pedro Cardoso leu, interpretou e conduziu o leitor na interpretação do poetrix da Lilian Maial.
A ideia do José de Castro de outros poetrixtas seguirem a linha do Pedro Cardoso de ler e propor interpretações é excelente!
Excelente iniciativa para ajudar leitores que estão começando a conhecer o poetrix e a riqueza de possibilidades na leitura e na escrita!

Paula Cobucci disse...

Pedro Cardoso,
Esse comentário do dia 18/7/23, é meu, Paula Cobucci. Eu não imaginava que teria a oportunidade de conhecê-lo pessoalmente. Não apareceu meu nome, porque eu marquei "escolher a identidade pelo Google".

Mas gostaria de destacar que as suas cartas têm um papel fundamental para ensinarmos a LER poetrix!

Espero que você se inspire a escrever outras cartas e a nos ensinar muito!

E viva a poesia!
E viva a educação!

Abraços,
Paula Cobucci