Mostrando postagens com marcador Coluna Literária. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Coluna Literária. Mostrar todas as postagens

5 de abr. de 2024

Morte Súbita por Valéria Pisauro



MORTE SÚBITA

a palha cobria o telhado
sujeito sujo e difuso - o objeto
pés juntos sugere morte.

Pedro Cardoso




Em MORTE SÚBITA, Pedro Cardoso, apresenta um poetrix de notório predomínio lírico-reflexivo, de interrogação existencial e filosófico, movido por inquietudes voltadas para “o ser e o estar-no-mundo”.

O tema da inconstância do mundo, da instabilidade da vida, da fugacidade de tudo, é constatado a partir do próprio título: a morte súbita - aquela que ocorre de forma abrupta, uma morte imprevisível e inesperada.

O poeta Pedro Cardoso, de forma surpreendente, traça uma relação conjuntiva entre o título e oprimeiro verso “a palha cobria o telhado”, emprestando ao poetrix uma riqueza de recursos imagéticos e metafóricos.

Há um simbolismoem uni-los e sustê-los estruturado no sentimento de vulnerabilidade perante a morte.

O “telhado” se estabelece comoobjeto divisor: limita o espaço, impede a visão do céu e está estruturado em tensões e antinomias entre céu e terra; vida e morte; infinito e finito; condenação e salvação; pecado e perdão.

É importante ressaltar que aparentemente o telhado causa uma sensação de segurança, de aconchego;entretanto, trata-se de uma falsa proteção, pois, não tem resistência, está coberto por palha, reforçando a ideia de fragilidade,de ilusão, de vaidades, que resulta no questionamento do mundo, sobre a precariedade e os desenganos da vida.

A “palha”, dessa forma, justifica-se como referência instável e oscilante, que confere mais sentido à angustiada meditação diante da adversidade do tempo.

Os elementos opostos de abstração (morte) e concretude (palha, telhado) reforçam a ideia de um enigma existencial que permanece sem resolução.

No segundo verso, “sujeito sujo e difuso - o objeto”, alegoriza o homem com suas imperfeições, “sujo e difuso” e ciente de estar se debatendo com seus próprios limites buscando uma saída nem que seja pela dissolução do próprio ser, antecipando o terceiro verso.

Pode-se apreender nesse verso o “racionalismo” evidente na contenção emocional, uma vez que ao começar pela palavra o “sujeito” e ao terminar em “objeto”, o poeta traça um círculo que nos devolve sempre à mesma questão, nunca respondida, numa espécie de “moto perpétuo”, que permanece sempre em essência, não só como possibilidade à procura do ato, mas também como uma fatalidade que o faz permanecer dentro do redemoinho da sua contingência humana.

No terceiro verso, “pés juntos sugere morte”, leva-nos a um desfecho desconcertante com a barreira intransponível da morte, reduzindo-a em silêncio, melancolia e solidão, reflexo da sua própria existência.

A expressão “pés juntos” remete a ideia de complemento de um juramento. Tem origem com a Inquisição, onde uma das torturas empregadas para que o preso se declarasse consistia em amarrar seus pés. A expressão se popularizou e passou a designar a morte, o não mais caminhar, o estático.

O poetrix MORTE SÚBITA, ainda, possui um caráter discursivo ou conceitual, pois pretende comunicar-nos, através de uma argumentação cerrada, antes um “pensamento” acerca de Vida e Morte que um “sentimento” sobre esses extremos.

O referido poetrix não propõe nenhuma transcendência religiosa, nem conciliação imaginária para o sofrimento, pois a ferida aberta da condição humana é a sua temática nuclear. Também, não reflete um sentimento negativista da vida, e, sim, a conscientização da efemeridade de todas as coisas.

Pedro Cardoso, em MORTE SÚBITA,nos presenteia comum poetrix não apenas filosofante, mas, também, uma filosofia poetizada. Cria dentro do poetrix um dinamismo vital, pois ao terminar com a afirmação de “pés juntos sugere morte”, volta ao princípio, que o “sujeito sujo e difuso - o objeto” está à mercê a qualquer momento de uma morte súbita.

Nesse sentido, o poetrix MORTE SÚBITA comunga com a trilogia universal: a esfera material (“sujeito” e “objeto”), o caminho e os obstáculos (“telhado”) e o espiritual (“morte”), e traça uma travessia de expressão lírica da angústia do ser, que se sabendo racional, quer tornar redutíveis a termos poéticos as suas perplexidades de homem e a sua experiência vital, e dela, conclui-se, o Poeta não vê saída.


Por Valéria Pisauro 




2 de fev. de 2024

Pichação - por Pedro Cardoso



PICHAÇÃO 

No grafite, grito riscado
Murais de palavras habitam
Arte germina no asfalto

(Valéria Pisauro)




Abri, aleatoriamente, a Antologia Poetrix 8 - Infinito. Encontrei, no sobressalto, o poetrix Pichação.

Confesso que o título despertou, em mim, a curiosidade poética. Achei interessante e instigante, uma vez que, essa modalidade é considerada crime no nosso país.

A pichação teve início no final dos anos 1960 em Paris, período da contracultura e das revoluções estudantis.

O grafite surgiu em meados dos anos 1970 na cidade de Nova York, quando jovens começaram a registrar marcas e desenhos nos muros da cidade.

A pichação é diferente do grafite.

Um esclarecimento: enquanto a pichação é feita sem permissão e com intuitos geralmente subversivos, o grafite é feito com autorização e em ambientes artísticos e/ou abertos..., tendo um conceito por trás.

É importante observar, de início, que o poema já nos mostra que se trata de um tema controverso.

O grafite geralmente se veste de mensagens sociais, mas, ainda assim, finca o dedo nas feridas das comunidades. Aflora os problemas intensos, promove uma visão mais apurada da sociedade e dos indivíduos que compartilham os mesmos valores éticos e culturais.

Já a pichação ganha contornos diferentes e bem mais controversos.

A expressão "grito riscado" no primeiro verso, passa a ideia de que o grafite é um desenho feito por extenso: algo comprido, que tende a ser longo. Não deixa de ser um desabafo, cunhado a partir do asfalto, como iremos encontrar depois, já no terceito verso. Sendo possível, inclusive, compreender a ideia de asfalto....tendo duplo sentido: o palpável e o figurado.

"Murais de palavras habitam". Um verso aliciante, parece que foi escrito de trás para a frente. Tem-se a impressão de que foi feito às avessas. O usual seria, palavras habitam murais.

Me fez lembrar a "competência" do ex-governador de São Paulo, que usou avental, máscara e óculos de proteção, para posar de mocinho da mente cinza e apagar, pessoalmente, os desenhos e palavras, que tomavam conta da avenida 23 de Maio.

"Arte germina no asfalto". Um verso onde a poesia transborda, vai além das palavras que o representam.

Finalmente, um poetrix que me fez repetir... E viva a poesia!!!


29 de dez. de 2023

Coluna Literária - Noite afora por José de Castro



Noite afora


Por *José de Castro


E fico mudo, sem palavras, diante da beleza posta na mesa da poesia... Encantam-me os poetas, todos eles, sejam simbolistas, modernistas, românticos ou parnasianos… E – por que não? – os minimalistas também...

E bico os versos como se fossem fruta, madura framboesa... um gosto de mato... de araçá azul... pitanga e romã trincada de espanto... e vou degustando um quintana... e me espia daquele galho um autêntico joão-de-barro.. ou seria um manoel?

E me distraio num jogo de amarelinha sem céu e sem inferno... primavera sem inverno... chuva torrencial de emoções... príncipes e princesas desfilando por aqui nos olhos de colasanti... acuda-me qualquer pessoa... há uma pedra no meio do meu carinho...

E fico bebendo as taças dessa madrugada servida em cores, licores de puro frenesi... jenipapo tá no papo... e fico de papo pra lua mirando a solidão das horas a bater o ponto no canto do relógio sem cuco, feito chapeleiro maluco... e ouço a passarada no bico da madrugada... não há mesmo luar como esse do ser tão lírico feito os olhos de cecília e lamartine... oh, mana deixa eu ir...

Poesia de orvalho caindo em noites de noel... e até os galos ficam mudos e se deixam encantar... pois a beleza da prosa poética que canta a vida pode nos maravilhar... e os galos vão tecendo a manhã nos versos cabralinos de joão... e espera-se o nascer das açucenas de zila que apascentam os versos do menino azul, a dormir feito bois em paz... E os trigos brotarão a esmo nos olhos de anil, ou seriam de neil (de castro)?

Quem me dera colher um cacho de adélias pelos prados, pelas campinas, pelas infinitas veredas dos sertões em rosa... as rosas que simplesmente exalam a dor do caetanear... pois a que será que se destina?... ah, amigo é coisa pra se guardar no lado que é lá do lado de lá... feito haicai que cai do céu leminskiano sobre cada um de nós... e alice a ruir e trincar os versos maduros nos espelhos minimalistas... e por um trix somos também poetrix…

E fere a madrugada o pincel fino da palavra.. de quem sabe pintar o vento com as cores doídas das saudades de tudo e de nada... dos que cantam o amor, em sonetos de fidelidade para além das coisas simplesmente moraes ou amorais… feito amoras no pé…

Aos insones, resta apenas beber de um só trago o néctar da solidão... e depois cantar milongas de fazer dormir o coração... e pensar que dias melhores virão... e, aqueles que sobreviverem, verão que sou andorinha só a inventar imensidão... e sou vento e sou moinho e sou quixote... e poeta perdido no próprio mote...

E me bate uma saudade das auroras da minha vida, casemirando minha memória que quer recuperar a infância perdida na terra do nunca, feito um eco triste de maria-fumaça a resfolegar nos trilhos o melancólico estribilho: noite afora, vou me embora... noite afora, vou me embora... noite afora, vou me embora....

Quem sabe, Pasárgada? Desfraldo o verso e vejo bandeira(s) a tremular na voz do vento.


*José de Castro, jornalista, escritor e poeta. Mestre em Tecnologia da Educação. Autor de livros para crianças, para adolescentes e para adultos também. Membro da SPVA/RN, da UBE/RN e membro-fundador da Academia Internacional Poetrix, cadeira 11.


Contato: josedecastro9@gmail.com
Instagram: @jde_castro10

22 de nov. de 2023

Síndrome de M. DE A. por Francisco José



MACHADO

cortou um membro
lembrou-se de Brás Cubas
havia um verme póstumo

Francisco José




Poucos tiveram suficiente coragem para criticar com vividez o grandiloquente M. de A., autor de dez romances, 200 contos, 600 crônicas, várias coletâneas de poemas e inúmeras cartas.

Um certo ensaísta e admirador do famoso escritor chegou a dizer, com eufemismo de crítica, que o autor de "o alienista" sofria do M al de A bsenteísta.
Como se na verdade fosse portador do M al de A lzheimer, "esquecera" a própria cor, os pais mortos precocemente, abandonando cedo a madrasta, a mulata que o criara com tanto desvelo.

Dizia-se nascido em São Cristóvão e não no Morro do Livramento.

Mulato, feio, gago e epiléptico, seus personagens só podiam ser brancos e bem-nascidos.
Era sensível, porém não denunciou a escravidão, preferindo anestesiar-se, enclausurando-se naquela "casulação do ser no ser que pensa".

Já não conseguia ser o homem M achado de A ssis, mas o arremedo do personagem de M emorial de A ires, o qual, no primeiro diário de suas memórias do dia 9 de janeiro de 1888 dizia ter completado um ano que havia voltado da Europa.

Casou-se com uma europeia.

Foi o melhor amigo de um escravagista confesso, tendo sido convidado para ser padrinho de seu filho M. de A lencar., que alguns afirmaram, depois, ser na verdade o filho de um adultério, pois a esposa era estéril. 

O "bruxo do Cosme velho" sofria na verdade da síndrome do M al de A gouro. 

Francisco José Soares Torres

24 de set. de 2023

Coluna Literária - Ortografia de Anthero Monteiro por Dirce Carneiro



COLUNA LITERÁRIA DA AIP
Análise do Poetrix ortografia de Anthero Monteiro
Dirce Carneiro - Cadeira 26 - Patrona: Eliana Mora



ortografia

(Anthero Monteiro)


uma gaivota só
um til sobre a palavra
imensidão



O Poetrix do saudoso acadêmico português Anthero Monteiro é um dos mais celebrados poemas de todos os tempos no ambiente poetrixta.

Quando uma obra fala por si mesma as palavras sobre ela soam como pretensão e desafio.

Faço como homenagem a este que pertenceu ao rol dos pioneiros e foi membro de primeira hora da Academia Poetrix.

Minha leitura não esgota as possibilidades de análise diante de uma obra rica de sugestões.

MOMENTO HISTÓRICO:

Consta da Antologia 501 Poetrix Para Ler Antes do Amanhecer.
Na ficha técnica está escrito: “Melhores poesias publicadas por mais de 80 autores da primeira década da existência do Movimento Poetrix”. O Poetrix surgiu em 1999. O Livro data de 2011.

19 de ago. de 2023

Coluna Literária - O Outro Domingo por José de Castro

 

outro domingo

perdi a noção do tempo
é noite nos meus olhos
chove tua ausência


diana pilatti



Conheço a poeta Diana Pilatti há bastante tempo, desde o Recanto das Letras, nos anos de 2010 mais ou menos. Desde então, vimos cultivando uma amizade significativa, principalmente em relação à troca de experiências na escrita de Poetrix e também em relação à administração de grupos de produção nesse gênero minimalista. Participamos da criação do grupo Ciranda Poetrix e, agora, administramos o grupo Selo Poetrix, com a parceria também da acadêmica Dirce Carneiro. Além disso, vimos organizando, em conjunto, algumas mostras de poemas mínimos. (https://4mostrapoetrix.blogspot.com/)

A escrita de Diana Pilatti é singular e instigante da nossa imaginação. Seus poetrix sempre trazem figuras de linguagem e inquietações que deixam um campo aberto à viagem do nosso pensamento. Isso pode ser observado na poética contida em livros que já publicou até o momento, sejam de haicais, versos livres ou poetrix. A mesma sagacidade observa-se em seus grafitrix (https://www.academiapoetrix.org/2022/06/grafitrix-de-diana-pilatti.html) quando seus versos são enriquecidos por imagens, e até mesmo em videotrix, quando ela acrescenta movimento e som às imagens. 

Nesse poetrix “Outro domingo”, a poeta

15 de jul. de 2023

Coluna Literária - À LUZ DA POESIA - por Pedro Cardoso




Um grilo em casa

melodia verde
cricrila a vida e eu canto
pequena esperança na parede

Lilian Maial 


Estou sempre à procura de poetrix que me façam pensar e querer falar sobre eles. Que me encantem também e fustiguem minha cabeça inquieta e barulhenta. Hoje me vejo diante deste poetrix da poeta Lílian Maial. Eu o li e reli, algumas vezes, tentando escarafunchar suas linhas e entrelinhas. Ora de frente para trás, ora de trás para a frente. Um vaivém de deleite, nem sempre silencioso.

Minhas leituras são fatiadas.

Primeiro leio o título. Tento decifrar o que ele quer me dizer no todo. Reflito sobre as possibilidades que vão surgindo em minhas alucinações. Esqueço, a princípio, a leitura literal do texto. Para mim é o que menos importa, de início.

Vislumbrei duas premissas interessantes. Esta é uma característica marcante no poetrix: permitir várias interpretações.

Primeira: Um grilo em casa. Ele pode ser um problema, uma preocupação ou um transtorno. Isto é um fato corriqueiro em nossas vidas do dia a dia. Fiquei com ele manquitolando em minha austeridade por alguns instantes preciosos.

Segunda: Um grilo em casa. Um inseto, um pequeno animal que traz significados mais comumente ligados à boa sorte em qualquer área de nossas vidas. Representa o salto, carrega uma mensagem de mudança, revelando a necessidade de se mover, caminhar, pular em outras direções.

Pois bem, parto então para o primeiro verso que diz: "melodia verde".

Ele está diretamente ligado ao segundo e terceiro versos. Essa conexão já nos passa a informação de que o bicho não é um qualquer, mas sim, um grilo verde barulhento.

Já no segundo verso, é importante observar o que a autora diz: "e eu canto".

Sinto como se ela estivesse dizendo que "louva_a_deus" com o seu canto, em uníssono com o cricrilar do Esperança.

Não se contenta apenas com o "canto" dele. Vai além do esperado.

O terceiro verso, para mim, é o mais significativo.

A expressão "pequena esperança" é bacana. Se o leitor não estiver atento, não vai entender nada de nada, vai remar, remar e morrer na trincheira da poesia.

Ela está falando de um animal bem pequeno. Na verdade, quando entra em casa, de livre e espontânea vontade, mesmo que seja diminuto, ele pode simbolizar, para nós, prosperidade para a vida.

É intrigante observar que a autora é uma profissional da saúde, que vive e trabalha em uma metrópole. Uma cidadã urbana por excelência. Porém, o que ela nos descreve pode ser mais associado às pessoas que vivem em comunidades rurais ou em pequenos povoados.

Chego a inferir que, como o grilo que pula, ela está dando um salto triplo do urbano para o bucólico.

Quem sabe, até em busca de uma vida mais tranquila e pacata.

Assim sendo, ouso dizer que este é um poetrix extremamente simbólico.


PS: Este poetrix me fez lembrar do "putzgrila". Tão usado na minha juventude. Expressão que surgiu com o jornal O Pasquim, um dos símbolos da contracultura da época.


E viva a poesia!!!

Pedro Cardoso