28 de mar. de 2021

Discurso de Posse de José de Castro

Discurso de Posse de José de Castro na AIP - Academia internacional Poetrix, Cadeira 11


Olá, amigos e amigas poetrixtas e todos os que vierem aqui.

Alegria é feito verso pequeno que fala grande ao coração, assim, feito haicai e poetrix.

Gratidão ao poeta, historiador e acadêmico, Goulart Gomes, criador do gênero e fundador da Academia Internacional Poetrix, pelo convite para eu estar aqui, nesta ilustre casa. Espero corresponder à honra e ser um valoroso Cavaleiro da Távola poetrix. Saúdo a todos e a todas vocês que têm a ousadia de inventar, em três versos, os espantos e os sustos que nos abismam.

Aqui estamos, a tentar colher flores por entre espinhos, em meio à dor e à angústia dessa pandemia, que só não é mais louca do que aquele a dizer que nos governa. Tempos outros virão, tenho fé. Por isso, poemamos miúdo, com palavras de longo alcance. Os olhos queimando de porvir.

Agora, o patrono. Difícil escolha. Muitos nomes bons, poetas vários que me trazem fogo aos olhos, comichão nos dedos, leveza ao coração. De Bandeira e Drummond a Calvino.

Esta Academia é uma festa a cada patrono acolhido. Vejo-me em todos eles. Para nós poetas, a respirar vida, eles representam o oxigênio necessário para alimentar nossa poesia ao longo do tempo que ainda nos resta.

Grande desfile de nomes. O criador dos guilherminos. O poeta pantaneiro Manoel. Alguns, de Minas, feito meu padrinho literário Elias José – que também já se foi para as estrelas junto com Bartolomeu Campos de Queirós. Eu, aqui, órfão e precisando de um patrono que sustente toda essa minha dor de tantas perdas… Aí, lembrei-me dos versos:

essa vida é uma viagem
pena eu estar
só de passagem (Paulo Leminski)

Ah, Leminski, você que se foi tão moço, passagem meteórica por esse planeta, quisera vivesses ainda como tantos poetas e loucos - feito nós - que nos encantamos de palavra pouca para dizer muito. Eu te escolho. Vem, assenta-te aqui, e choremos juntos nossos porres de luar. Enquanto pudermos, cantaremos haicai aqui até a hora derradeira. Antes que a estrela se apague, acendamos o verbo para o crepítar das labaredas que ardem em nossos olhos visionários. Vem, aceita ficar aqui, ao lado de todos esses amigos e amigas que têm o condão de criar, do nada, um mundo de alegorias tantas, para fazer brilhar as luzes de um novo tempo. (Parece-me que ele aceitou, pois foi acatado pelo Goulart. E com o número um não se discute...).

Paulo Leminiski Filho, seu nome completo. Paulo Leminski, seu pai. Áurea Pereira Mendes, a mãe. Veio à luz no dia 24 de agosto de 1944, em Curitiba, Paraná. E virou luz maior nesta mesma capital paranaense, no dia 07 de junho de 1989. Até nisso foi minimalista: apenas 45 anos de vida, bem vividos.

Casou-se muito cedo, em 1961, aos 17 anos, com uma artista plástica, Neiva Maria de Sousa. Participou do I Congresso Brasileiro de Poesia de Vanguarda/BH, conheceu Haroldo de Campos, de quem viria ser parceiro em diversas obras.

Em 1966, primeiro lugar em um concurso popular de poesia moderna. Em 1968, aos 24 anos, separou-se da artista plástica Neiva de Sousa. Neste mesmo ano, casou-se com a poeta Alice Ruiz, com quem teve 3 filhos: um menino (Miguel Ângelo), que faleceu aos 10 anos e duas meninas: Áurea Alice Leminski (homenagem à sua mãe e à esposa) e Estrela Ruiz Leminski. De 1969 a 1970, decidiu morar no Rio de Janeiro, retornando a Curitiba para se tornar diretor de criação e redator de publicidade e TV.

Leminski foi jornalista, escritor e poeta de vanguarda, ensaísta, crítico literário, tradutor, professor, além músico e letrista. Considerava-se um designer de texto. Foi também seminarista, entre os doze e os quatorze anos, no Mosteiro de São Bento (SP).

Dominava seis idiomas: latim, grego, japonês, inglês, francês e espanhol. Traduziu diversas obras de autores e personalidades como John Fante, Lawrence Ferlinguetti, James Joyce, John Lennon, Samuel Beckett, Petronio (Satyricon, traduzida do latim), além de ter traduzido um livro sobre poesia egípcia antiga. Publicou alguns ensaios literários e biografias de Cruz e Souza, Matsuo Bashô, Jesus, Trotski e Edgar Allan Poe.

Escreveu dois livros infantojuvenis, mais um ponto de identificação que tenho com ele. Em 1986, veio o livro “Guerra dentro da gente”. Em 1989, “A lua foi ao cinema”. Do primeiro, tenho a edição de 2006, pela editora Scipione. Tal livro, como define o próprio autor, é uma fábula em que os milagres são frequentes, nos quais “existem armas para acabar com todas as armas.” Livro ilustrado pelo chileno Gonzalo Cárcamo.

Como letrista e músico, desfrutou de parcerias diversas em gravações de: Caetano Veloso, Ney Matogrosso, A Cor do Som, Paulinho Boca de Cantor, Moraes Moreira, Itamar Assunção, Arnaldo Antunes, José Miguel Wisnik, dentre outros. Colecionou uma bela discografia, com inúmeras gravações de suas letras e músicas, que vão de 1981 até 2007, continuando a ser gravado mesmo depois de sua passagem para outro plano.

Leminiski teve mais de uma dezena de livros de poemas publicados, incluindo-se o “Quarenta clics em Curitiba. Poesia e fotografia”, “Polonaises”, “Não fosse isso e era menos/não fosse tanto e era quase”, “Tripas”, “Caprichos e relaxos”, dentre outros.

Ganhou um prêmio Jabuti de Poesia, no ano de 1995, com o livro “Metaformose, uma viagem pelo imaginário grego”, por ele classificado como prosa poética.

Publicou dois romances: “Catatau”, que ele denominou de prosa experimental, publicado também em Buenos Aires (2012) e “Agora é que são elas”.

O cineasta Werner Schumann realizou filme-documentário sobre Leminski, em 1985, intitulado “Ervilha da Fantasia”. Nesse documentário, Leminski fala sobre cinema, literatura, poesia, psicanálise e apresenta a sua obra.

Numa série de vídeos curtos “Leminski na Vanguarda, Paulo Leminski, Ocupação”, de Renato Barbieri (1988) são apresentados vários momentos do autor. Uma performance do harakiri cometido, aos 45 anos, por Yukio Mishima, novelista e dramaturgo japonês. Leminski também faria sua passagem aos 45 anos. Seria premonição, uma futura coincidência, explicável, talvez, pela teoria da sincronicidade de Jung? Fica a indagação.

Faz performance de Franz Kafka. Em outro trecho, declama um poema:

“Eu ontem, tive a impressão que Deus quis falar comigo. Não lhe dei ouvidos. Quem sou eu para falar com Deus? Ele que cuide dos seus assuntos, eu cuido dos meus.”

Em 1989, um ano depois de gravar esses vídeos, faleceria em Curitiba. A Rede Minas, em 2012, exibiu um especial sobre ele.

Existe mais de uma dezena de estudos sobre a sua obra, principalmente monografias, dissertações de mestrado e teses de doutorado de autores diversos, e estudos publicados pela Secretaria de Estado da Cultura do Paraná, entre outros.

Há uma biografia de Leminiski, escrita por Toninho Vaz, intitulada “O bandido que sabia Latim”, livro publicado pela Record, em 2001. Existe, também, uma Fundação Paulo Leminski.

É considerado um dos revolucionários do haicai no Brasil, e da poesia minimalista, tendo recebido influência literária de autores orientais, como Bashô , além dos ocidentais Décio Pignatari, Haroldo de Campos e Augusto de Campos, e também de Helena Kolody, pioneira do haicai no Brasil. Esta, escolhida como patrona pela acadêmica Gilvânia Machado.

Por tudo o que expus, sinto-me feliz em ter Paulo Leminski como patrono da cadeira que ocupo, nome emblemático e significativo para o movimento minimalista, além de toda a contribuição de sua obra para a literatura brasileira. Dele se diz que habitou a fronteira entre o erudito e o pop. Ele mesmo se definia como “punk parnasiano” ou “dadaísta clássico”,conforme um dos seus parceiros de música, José Miguel Wisnik.

A Paulo Leminski dediquei meu livro “Quando chover estrelas” (Natal: Jovens Escribas, 2015), poemas escritos numa única madrugada após a leitura das 421 páginas do seu livro “Toda Poesia” (Companhia das Letras, 2014, 13a. reimpressão). Nesse livro, como epígrafe, o seu poema: “a vida é uma viagem/ pena eu estar/ só de passagem”.

Agora, um pouco de mim. Nasci mineiro, em Resplendor, às margens do rio Doce. O caçula de sete irmãos. Família pobre. Sem livros. Pegava livro emprestado em biblioteca volante. Aprendi a ler aos seis anos, alfabetizado pela minha irmã Noêmia. Morei em Tumiritinga e em Governador Valadares. Ali corria também o rio Doce, onde aprendi a nadar. E tinha montanha. Tenho curso de datilografia, coisa muito importante na vida. Faculdade de Comunicação, em Brasília. Mestrado em Tecnologia da Educação, INPE (S.J.Campos/SP). Fui roteirista de televisão educativa e colunista de humor.

Professor do Departamento de Educação da UFRN. Criei revista de Educação, até hoje no “ar”. Fui diretor da Televisão Universitária de Natal. Consultor de planejamento na Secretaria de Educação do RN. Colaborador do Programa Nacional de Incentivo à Leitura – PROLER.

Ah, sim. Três casamentos. Uma filha, cinco filhos. Dois casais de netos. Profissões dos filhos: uma psicóloga, um farmacêutico, dois na área de informática e um jornalista e radialista. Uma das netas, em 2020, cursa Comunicação em Portugal.

Escrevi dois livros de poemas para adultos e um de humor. E criei doze livros, sendo dois para adolescentes e dez para crianças.

Minha estreia na literatura foi em 2002, com o livro “A marreca de Rebeca”, ilustrado pelo artista plástico mineiro Eliardo França, publicado pela editora Paulus/SP. Hoje, com dezoito anos de sucessivas reimpressões, está na editora Bagaço/Recife.

Conheci o poetrix em 2006, no Recanto das Letras. Já havia publicado mais dois livros: “O mundo em minhas mãos” (Bagaço/Recife) e “Quem brinca em serviço – textos de humor” (Natal/Sebo Vermelho), fruto de dois anos de colunismo humorístico. O humor foi minha escola minimalista, pois tinha que criar um chiste, um efeito cômico, sarcástico, em apenas uma frase. “A pressa é inimiga da refeição. Quando um não quer, dois o obrigam. Trabalho máximo, salário-mínimo. Pratique o futuro hoje, amanhã ele pode não existir.” E assim por diante. Publiquei frases por duas vezes em “O Pasquim”, semanário de combate à ditadura, criado por Ziraldo, Millôr Fernandes, Jaguar, Henfil (morou em Natal e o conheci pessoalmente). Publiquei na revista “Bundas”, criada por Ziraldo, que alcunhou o slogan: “Quem mostrou a bunda em Caras não mostrará sua cara em Bundas.”

Nos anos 2000, fiquei entre os 110 semifinalistas de um concurso nacional de contos, do Unibanco, entre quase 9 mil inscritos. Nesse gênero, admirador de Rubem Fonseca e Dalton Trevisan (Machado de Assis é hors concours).

Assim, quando conheci o poetrix, em 2006, no Recanto das Letras, já trazia bagagem literária minimalista. Conheci Goulart Gomes no Recanto, via Kathleen Lessa, poeta que nos puxava as orelhas a qualquer escorregão literário. Partiu cedo, há quatro anos, em 2016. Eu a homenageei na Antologia 6 Poetrix, escrevendo-lhe uma carta.

Lembro-me, ainda, de Sílvia Mota, Luciane Lopes, Celina Figueiredo, Pedro Cardoso, Rosa Pena, Lílian Maial – estes 3 últimos tomando assento também hoje nesta casa. Conheci outras poetas contemporâneas, feito Gilvânia Machado – aqui também sendo empossada -, Diana Pilatti, Tânia Souza e Fátima Mota. Com o tempo, conheci outros poetrixtas, principalmente através de antologias.

A primeira delas, em 2011: “501 Poetrix para Ler antes do Amanhecer”, levou-me a ter notícias de poetrixtas de raiz, como Aníbal Beça – “o avô do poetrix” -, Armando Leal e Damário Cruz, dentre os que já haviam partido. E conheci poetrixtas do MIP, como: Aila Magalhães, Andra Valladares, Anthero Monteiro, Carlos Vilarinho, Dreyf Campano, Marilda Confortin, Marília Tavernard, Oswaldo Martins, Ricardo Mainieri, Regina Lyra, dentre tantos outros. Nesse livro publiquei o menor dentre os meus poetrix, apenas 13 letras, incluídas as do título:


ANALFABETO

A
B
Ç

Depois, participei das Antologia Poetrix 5 e 6 e dos volumes I e II do “Fagulhas Poéticas”, organizados por Gilvânia Machado. Nessas, vieram poetrixtas, como Clécia Santos, Edilberto Cleutom, Leonia Sá e Vera Azevedo, do RN.

Em paralelo à “Antologia 6”, da qual participei da coordenação junto com Aila Magalhães, Lorenzo Ferrari e Marilda Confortin, presidi a comissão de seleção do VIII Concurso Internacional Poetrix, da qual participaram Andréa Abdala e Gilvânia Machado.

Prossegui poetrixta, ministrando oficinas de poetrix para professores e professoras do ensino fundamental, em Natal e em outros municípios do RN.

Em literatura infantil, tenho três livros distribuídos nacionalmente em programas do MEC (PNBE e PNLD): “Poemares”, “Poetrix” e “Vaca amarela pulou a janela”, totalizando 130 mil exemplares, pela Dimensão/BH. Esses três livros representaram o Brasil na Feira de Bolonha, na Itália. Foram incluídos no catálogo da FNLIJ (2008, 2013, 2018, respectivamente).

O livro “Vaca amarela pulou a janela”, em 2020, virou página de calendário na Alemanha.

O livro “Poetrix”, em 2014, teve cinco de seus poemas estudados em dissertação de mestrado na Universidade Estadual de Maringá, no Paraná, junto com poemas de outros nove autores nacionais.

Além da AIP, faço parte da ALACIB/Mariana-MG e da Académie Luminescence (franco-brasileira). Participo também da SPVA/RN e da UBE/RN. Estou em um grupo de poetrix, que lançou o livro digital “Tempo de Florir – I Mostra Poetrix”, organizado por mim e por Diana Pilatti. Nesse grupo, alguns novos poetrixtas: Eliete Marry (RN) e Gilliard Santos (CE), além das veteranas Dirce Carneiro (SP) e Sandra Mamede (BA). E outras mais, já citadas noutros trechos deste discurso.

Aproveito o ensejo para lançar a proposta – minha e da poetrixta Diana Pilatti – de que a AIP oficialize o dia 26 de setembro como o “Dia Internacional Poetrix”, promovendo, por essa ocasião, eventos celebrativos à data tão significativa para todos nós.

Aqui, homenageio a alguns escritores e poetas potiguares: Auta de Souza, Bartolomeu Correia de Melo, Berilo Wanderley, Câmara Cascudo, Dorian Gray Caldas, Jorge Fernandes, Luís Carlos Guimarães, Lúcia Helena Pereira, Myriam Coeli, Newton Navarro, Nísia Floresta, Sanderson Negreiros e Zila Mamede.

Finalmente, considero o poetrix um dos gêneros mais fecundos para a expressão poética. Através dele, expresso-me com toda a liberdade que o seu cânone oferece. É uma gema especial. Nele aventuro-me, encontro-me, realizo-me. Nele descubro, a cada dia, uma maneira diferente de inventar novos caminhos. Desbravo fronteiras e sinto-me como aquela criança que aprende, a cada vez, dar um passo à frente e perceber: o horizonte está sempre além, a nos convidar ao desconhecido.

Para mim, esta casa, esta Academia Internacional Poetrix, representa um porto seguro de ancoragem de ideais e, ao mesmo tempo, o lugar de partida, de onde todos nós, juntos, podemos içar velas para o navegar da poesia. Como disse em um poetrix:


navio no cais

não sei onde vou
o horizonte me chama
o infinito é ali.

Muito obrigado a todos e a todas. Um abraço no coração. Viva o Poetrix!


2 comentários:

Dirce Carneiro disse...

Que belo texto poeta, como sempre. Quisera estar na sua lista de poetas lembrados. Felicidade ter Leminski como padrinho.

Gilvânia Hoje disse...

Belo discurso! Excelente poeta e escritor. Uma travessia literária de sucesso! Parabéns e gratidão pela poesia que nos tornam mais humanos e sensíveis. Redimensiona o nosso olhar perante à vida.