30 de mar. de 2021

Discurso de Posse de Aila Magalhães

Hoje só é possível porque foi-se o ontem. 

Tudo é transitório, desfazimento, e por mais que doa ou pareça doer, também passará.

Quisera ter conhecido Manoel de Barros e perdido passos ao seu lado pelas margens de um rio.

Imagino quantos descoisamentos ele poderia ter me revelado. 

Na impossibilidade desse desejo, faço-o cúmplice de meus descompletares.


O apanhador de desperdícios

Uso a palavra para compor meus silêncios.
Não gosto das palavras fatigadas de informar.
Dou mais respeito às que vivem de barriga no chão
tipo água pedra sapo.

Manoel de Barros

Descobrir Manoel de Barros foi assombroso, foi como olhar dentro de mim. 

Quando o leio, é como se estivesse lendo algo escrito para mim, sinto-me encontrando um amigo de velhos tempos. Não poderia escolher um Patrono que não ele.

Ser poeta não é divino, sublime, nem nada. Penso que ser poeta é mais um não-ser, o que exige o  trabalho de desfazimentos.É difícil praticar desfazimentos, mas isso não precisa ser preocupante. Na verdade, quanto maior a pre-ocupação, menos a  poesia sairá de trás da orelha, do bico da chaleira ou de dentro de uma nuvem.

Bem, o primeiro beijo sempre haverá de preocupar - e muito -  o que não quer dizer que não possa ser poético, porque pode, já que começa por fazer-se e vira tudo que nem sabemos, como lagarta que voa, folha molhada de orvalho, concha que gestou pérola, o primeiro respiro de uma criança ou um raio de sol nadando em um lago .

Poetrix é poema de desfazimentos. Furtar dos versos as desnecessidades e oferecer em troca pegadas que não se sabe aonde chegarão, silhueta nua na sombra da parede,  buraco de fechadura de onde escapa luz.

Estou aprendendo desfazeres. Há 20 anos. 

Neste tempo de ligeirezas, percebi-me por vezes em um estado de não-ser, que somente a poesia ou sonhos orgásticos podem proporcionar, mas vocês sabem, ambos são como nuvens em uma linda manhã de outono, chegando e partindo sem aviso ou cerimônia. 

Então vou seguindo por aí, especulando horizontes e veredas, e vez por outra dou de cara com fiapinhos de espantos largados ao pé de um tamarindeiro - Devires.

Não é segredo que tenho um caso  - com o Poetrix - Um grande caso de amor! 

Conheci-o através do Pedro Cardoso que à distância  cutucou minha curiosidade, bem forte, creio, ou quem sabe fez-se essência do próprio nome e bateu-me na cabeça. Digo-lhe que não doeu, mas rachou, e escorreu um poetrix, o primeiro de muitos. Serei sempre grata pela cutucada e ensinamentos, querido Pedro!

Aquilae

Enquanto dorme a minha noite
Amanhece o teu dia
Quando haverá eclipse?

Depois veio o João Goulart Gomes, o GG. Confesso ter sentido um pouco de medo. 

GG era cheio de pequenas graças escondidas por trás dos óculos, enfeitava palavras com belezuras de tirar o fôlego, inventadas ali, na hora. 

- Eu, heim? Pensava como meus botões. Aos poucos fomos nos aproximando, trocando uma ideia aqui, outra acolá e quando nos demos conta já éramos amigos de abraços e arengas.  Sim, muitas arengas. Fazer o quê com dois taurinos da gema? Nenhuma arenga contudo, diminuiu a bem-querência, gratidão, carinho e admiração que tenho por ele. Na verdade, GG é mais que um amigo. GG é uma inspiração. Obrigada, meu querido, por todos esses anos de mais abraços que arengas.

No não-lugar por onde enveredei, o "yahoogrupos", encontrei gentes que de tão especiais, jamais diriam adeus, como Sônia, a G, minha cortadeira-mor que virou estrela!  Outros imagino andando por aí à cata de espantos e alguns, de tanto misturarmo-nos, até sorriem-me na foto sobre o móvel da sala. 

O Poetrix agiu em mim como faca em uma ostra. Nem sempre houve pérolas, mas sempre algum sal. Chegou-me no momento de uma perda irreparável e foi como oásis em meio ao deserto, oferecendo alguma sombra e água fresca. Aprendi a cruzar desertos reinventando caminhos à casa, que sem teto, chão ou parede, acolheu-me e cativou-me.

Além de revelar-me a possibilidade do "tanto em tão pouco", o Poetrix permitiu-me ainda conhecer de perto pessoas muito especiais como o próprio GG, Pedro, Hércio, Lilian, Martinho Branco, Marília, Gilvânia, José, Antônio Carlos, sabê-las para além da letra e imagem... Além disso, outras que ainda não pude abraçar, como Marilda, Dreyf, Regina e Isi, foram ouvidos atentos e solidários em alegrias e dores que vivi,. Dos que não pude ainda conhecer pessoalmente, a alegria do convívio virtual, aprendizagens e trocas poéticas à distância mas não distantes. Muito obrigada a todos vocês!

É uma honra acompanhá-los nesta nova fase. 

Aila Magalhães - Cadeira 2

2 comentários:

Dirce Carneiro disse...

Bebendo poesia, beleza...

Gilvânia Hoje disse...

Rainha do Poetrix! Belo discurso! Seu olhar perante o mundo é de poeta! Antes de te conhecer, já lia seus Poetrix e ficava espantada com tanta poeticidade!