30 de dez. de 2023

Discurso de Posse de Sandra Boveto

 DISCURSO DE POSSE DE SANDRA BOVETO – CADEIRA 7

Prezada diretoria e caros acadêmicos dessa respeitável Academia Internacional Poetrix, 

É com imensa gratidão e alegria que saúdo a todos e me apresento, agora como acadêmica e integrante desse círculo tão especial de poetrixtas. Agradeço os votos recebidos e prometo honrar essa distinção pelo tempo que o futuro me permitir.

Considero minha trajetória literária relativamente recente e, até por isso, sei que tenho muito a aprender com vocês. 

Iniciei este caminho com um livro infanto-juvenil, feito para meu filho e a pedido dele – O Mundo Exclamante, publicado pela Editora Scortecci no ano de 2016. A partir daí, encontrei, por meio da escrita criativa, uma vida dentro de mim que eu não conhecia, e descobri que poderia multiplicá-la sob a forma e com o conteúdo que eu desejasse. 

Após “O Mundo Exclamante”, publiquei alguns contos no Brasil e em Portugal, por meio de antologias de várias editoras. Cheguei à poesia ao ser convidada por um editor português para participar de uma coletânea de poemas. De imediato, respondi a ele que não sabia fazer poemas. Nunca havia feito. Ele insistiu. E foi aceitando esse desafio que a poesia entrou em minha vida para nunca mais sair. Participei de mais algumas coletâneas, a partir de então, também poéticas. 


        Em 2018, conheci o Poetrix, por meio das redes sociais, ao me deparar com o edital do VIII Concurso Internacional Poetrix. Ali mesmo no edital, havia uma pincelada sobre as características de um Poetrix e a indicação de que as obras estivessem em conformidade com a Bula Poetrix. “Bula?” - isso me despertou uma grande curiosidade. Ao ler a Bula, eu me senti desafiada de um modo muito peculiar. Brincar com palavras, montar quebra-cabeças com letras, lapidar, buscar significados múltiplos, utilizar figuras de linguagem, encher a escrita de subjetividade já era algo que me absorvia e me acalmava. Com o poetrix, isso tomou uma proporção ainda maior. A poesia crescia à medida que o tamanho do poema diminuía. Não era fácil, mas era mágico. Em resumo, experimentei a pílula, e ela me viciou. 

Veio, então, uma surpresa, algo que eu realmente não esperava – a classificação do meu poetrix “Uma taça que cai” em primeiro lugar nesse concurso. Imaginem a minha alegria!

UMA TAÇA QUE CAI

Sangra no chão

cacos de certezas ecoam

Sandras em vão

Quem imaginaria que esse pedacinho de Sandra não seria em vão. 

Minha jornada literária, ainda que não muito antiga, teve (e ainda tem) seus percalços, não atribuíveis à escrita em si, mas a uma rotina e a fatos da vida que teimam em desafiá-la, porque é mesmo assim: a vida pode simultaneamente inspirar e obstar a escrita. Como certa vez escrevi :Quero fazer um poema, mas lá vem o tema, entrando em cena.

Houve fases em que a poesia ficou muda, como se tivesse se cansado de mim. Não me refiro apenas ao Poetrix. Não escrevi nada. Uma dessas fases durou bastante, de 2019 e 2021, e foi quando descobri que, assim como a escrita salvava, a falta dela poderia adoecer a alma. Isso precisava mudar.

E o Poetrix me resgatou desse torpor literário. Em 2021, foi publicado o Edital de abertura de Inscrições para novos acadêmicos da AIP. Decidi participar e logo me vi novamente envolvida com a poesia sob uma das suas formas mais cativantes. Não conquistei uma cadeira à época, e esse fato foi muito suave para mim, sem sentimentos de frustração, justamente porque, para aquele momento, eu havia atingido meu maior objetivo – produzir poesia novamente. E, para além dessa expectativa, eu também havia conquistado novos amigos, conhecido a casa do Poetrix, e encontrado o fio de uma meada de versos que estavam embolados aqui dentro sem conseguir sair. Eu estava feliz, pois havia voltado a escrever. Entrei para os grupos dos queridos Jose de Castro – Selo Poetrix, e Lorenzo Ferrari – Confraria Poetrix. Fui acolhida nesses grupos de um modo muito inspirador e carinhoso, e agradeço a eles não apenas pela acolhida, mas pela minha maior produção de Poetrix até agora. 

A partir dessa reconexão com a poesia, participei de algumas antologias específicas de Poetrix: Pérolas Poetrix, Ecos e Gritos, [R]EXISTIR e Infinito. Nesta última coletânea, tive a honra de redigir o texto da contracapa, onde procurei expressar um pouco da minha visão sobre o Poetrix:

Um oceano, cuja profundidade ainda não se sabe, insinua o infinito, assim como o faz um acurado Poetrix. A consistência, a visibilidade e a leveza tornam bela e sedutora sua diminuta superfície, atraindo para um mergulho profundo.

Poetrix é universo que não teve origem num Big Bang criativo, mas permeou um espírito também sem começo e sem fim, que lhe engendrou arquitetura precisa, a fim de envolver e conduzir o leitor ao inesperado.

É interessante observar como o Poetrix conduz ao inesperado não apenas o leitor, mas também seu autor. Muitas vezes é possível observar o Poetrix construindo a si mesmo, enquanto lhe emprestamos nossas mãos. 

Finalizo o relato sobre minha jornada literária com a notícia do recente lançamento do meu primeiro livro de poesias - Entre os Lábios do Avesso, publicado pela Editora Patuá. Recebi a feliz notícia da minha eleição para a AIP às vésperas do lançamento, que ocorreu no último sábado, dia 25/11/2023. São dois acontecimentos marcantes que chegaram juntos para me alegrar e me estimular a continuar nesse caminho que tanto bem me faz.

Esse é o resumo da minha jornada literária que, como visto, carece ainda de muitas aventuras e experiências. E essa jornada me trouxe novamente até a casa do Poetrix, agora com um quartinho reservado para mim, ou melhor, com uma cadeira acadêmica. Quero fazer por merecê-la, amigos.

A mim foi designada a cadeira 7, cujo patrono é o ilustre Yosa Buson. Preciso confessar que sabia pouquíssimo sobre esse grande mestre do Haicai, talvez porque, ao longo dessa minha jornada, o Haicai não tenha me atraído com a força que o Poetrix atraiu. Por esse motivo, além de não ter exercitado muito essa forma poética, acabei estudando pouco sobre sua origem e seus grandes mestres. Porém, entre os grandes benefícios de concedermos a nós mesmos novas perspectivas e tarefas, estão os de aprender mais e enriquecer nosso repertório, aumentar nossas referências e confirmarmos nossas preferências.

Nascido em 1716 no Japão, Buson é reverenciado como um dos grandes mestres do Haicai. É considerado um dos principais discípulos de Matsuo Bashô, e sua obra muitas vezes é vista como uma extensão do legado deixado por Bashô. No entanto, Buson também inovou e trouxe sua própria sensibilidade artística ao Haikai. Ele expandiu o alcance do gênero, incorporando elementos mais literários e desenvolvendo temas poéticos mais complexos.

Buson foi também pintor, tendo se destacado no gênero haiga (desenho do haikai) que, como o próprio nome diz, é a ilustração desse tipo de poema e foi criada pelo próprio Buson. Certamente ser um poeta e pintor, trouxe uma camada extra de qualidade visual e sensibilidade aos seus poemas.

Buson escreveu mais de dois mil haicais até sua morte, ocorrida no final do ano de 1783.

Selecionei alguns dos seus belíssimos haicais, que demonstram sua sensibilidade e a razão pela qual sua obra tem tanto significado.


solidão imensa

- outro grande prazer

no crepúsculo outonal


Mar de primavera -

O dia todo

Lentamente ondula


Lentos dias se acumulam -

Como vão longe

Os tempos de outrora.


A sensação de tocar com os dedos

O que não tem realidade -

Uma pequena borboleta.


Caros amigos poetrixtas, para encerrar, agradeço novamente pela oportunidade de contribuir e aprender ao lado de tão respeitáveis acadêmicos. Que nossa jornada literária na Academia Internacional Poetrix seja repleta de inspiração, aprendizado mútuo e, acima de tudo, da magia que somente o Poetrix pode proporcionar.


Muito obrigada.


5 comentários:

Gilvânia Hoje disse...

Parabéns pelo belo discurso. A literatura tem realmente esse poder de nos reinventar, organizar nosso caos.

Dirce Carneiro disse...

Como é bom ler quem tem o domínio das palavras.
E além disso palavras que nos mostram quem as escreve.
Parabéns Sandra Boveto.
Seja feliz na AIP.

Marilda Confortin disse...

Eita coisa boa te ler, moça. Até o discurso é legal. Bem vinda por aqui e espero que, ter sido eleita acadêmica, te incentive ainda mais a construir belos jardins, danças, poesias e prosas, nas horas em que tua profissão principal te permita. Beijos.

Andréa Abdala disse...

¨É interessante observar como o Poetrix conduz ao inesperado não apenas o leitor, mas também seu autor. Muitas vezes é possível observar o Poetrix construindo a si mesmo, enquanto lhe emprestamos nossas mãos."

Bem-vinda, Sandra! A casa é sua!!

Boveto Sandra disse...

Obrigada pelo carinho e pelas palavras acolhedoras, queridas Gilvânia, Dirce, Marilda e Andréa! Vou me esforçar para estar à altura da casa, da cadeira e de vocês, amigos poetrixtas. Beijos.