3 de jul. de 2023

ENTREVISTA COM RONALDO RIBEIRO JACOBINA, por Goulart Gomes



É com grande honra que a Academia Internacional Poetrix - AIP  recebeu, em seus quadros, o doutor Ronaldo Ribeiro Jacobina, médico, professor da Universidade Federal da Bahia e escritor, com uma obra extensa e variada, perpassando os campos da ficção, da não ficção e da ciência. Vamos conhecer um pouco mais sobre este ilustre intelectual.



AIP1: Ronaldo, como é de praxe, nos conte um pouco sobre a sua trajetória profissional e literária, destacando as obras que publicou.

RRJ: Hoje as pessoas acham seu currículo facilmente na internet. Sou médico formado pela escola mater da medicina brasileira, a Faculdade de Medicina da Bahia, UFBA. Psiquiatra por concurso público e médico sanitarista por pós-graduação (Mestrado em Saúde Comunitária na UFBA e Doutorado na Escola Nacional de Saúde Pública - ENSP-FIOCRUZ-RJ). Dirigente médico na Associação Psiquiatra da Bahia - APB (Secretário-Geral), Presidente do Centro Brasileiro de Estudo em Saúde – CEBES-BA e Secretário-Geral e 18º Presidente da Associação Baiana de Medicina – ABM (1986-87). Na vida universitária, cheguei a professor titular de Medicina Preventiva e Social, obtive o Destaque em Extensão da UFBA em 1994 pelo projeto “Rádio Saúde” no “Excelsior, Bom dia”; dois prêmios nacionais com o projeto “Educação em Saúde na Região de Subaúma”. Outra premiação destacada foi o “Prêmio Jornalista Sérgio Cardozo” (NICSA-Secretaria da Cultura do Estado da Bahia). Sou autor da Memória Histórica do Bicentenário da Faculdade de Medicina da Bahia - 2008. Em livros de não ficção sou coautor, com o psiquiatra Antônio Nery Filho,do livro Conversando sobre Drogas (1999). Os destaques mais recentes são para os livros Juliano Moreira: um intelectual de múltiplos talentos (2019), Os Bons frutos de Oitis (2021) e a série História da Medicina na Bahia, Volumes I-IV. Como escritor tenho várias obras publicadas, sendo o primeiro livro Poemas Piche, lançado pela Literarte em 1º de fevereiro de 1980, com direito a um “araponga” da ditadura presente no evento. Como Leminski lançava o dele, tivemos a presença ilustre de Caetano Veloso. Em literatura infantil publiquei o premiado livro Cantigas de Ninar A & B: até Z é com Você (1997). Depois vem Cantigas para ninar Cecília e Poemas para acordar Gente Grande (2003) e o recente Frida, Paçoca e o Poeta. Poemas para Cadelinhas e Gatinhos (2021). Tenho mais de duas dezenas de prêmios com poesias, contos e crônicas. Em literatura publiquei também  No Baú da Cafua (crônicas, 2004), Luzes Negras (contos e crônicas, 2008), O Poeta e o Lógico (poesia, 2015) e Macaquinhos de Marfim (e-book, poemas premiados, 2020). Em e-book estou publicando Coisas de Poeta. Cirandas em tercetos: poetrix, haicai e poemetos li.


AIP2: Fale-nos de suas influências, suas preferências literárias, suas referências.

RRJ: Acho que é toda a minha geração de leitores: Carlos Drummond de Andrade, Manuel Bandeira, Cecília Meireles, Fernando Pessoa, Florbela Espanca, os poetas concretistas. Devo referir também os do passado como Castro Alves, Gonçalves Dias, Cruz e Souza. Dos poetas internacionais, Dante foi uma paixão. Outra foi Maiakovski. Tem Verlaine, Lorca, Neruda. Controlei o impulso de não ir à biblioteca copiar os inúmeros autores que lá estão.



AIP3: No exercício de escrever, quais seus momentos de prazer ou desprazer?

RRJ: De prazer é escrever o Amor, inclusive o amor à natureza. Escrever para a beleza da infância é sempre prazeroso. Mesmo nos momentos que escrevo um tema difícil, como, por exemplo, o da pandemia ou o do pandemônio, a poesia sublima, tem uma força resiliente. Estou concluindo um livro – Contra a pandemia e o pandemônio e ele vai ficar no formato de um “e-book” artesanal, que vou enviar para amigas e amigos: são poetrix, alguns haicais e poucos poemetos li que registram o sofrimento das perdas na pandemia, mas também celebra com prazer a solidariedade e critica os atos infames do nazifascismo que o país viveu nos últimos quatro anos. E não esquecer que os adeptos do totalitarismo ainda estão presentes na realidade brasileira.



AIP4: Como o poetrix entrou na sua vida?

RRJ: Um amigo... que o entrevistador seguramente conhece. Eu o conhecia antes de ele criar o Poetrix. Ele então me convidou primeiro para participar dos concursos do “Movimento Internacional Poetrix” (MIP). Depois me apresentou à Ciranda Poetrix, agora Confraria Ciranda Poetrix. Lá encontrei um conjunto de poetas amigas e amigos e lá fiquei. Não é fácil, pois duas vezes por semana tem que escrever o Poetrix, que cada vez mais vem se enchendo de regras e ele foi criado para romper com a rigidez dos haicais. Inclusive o “haicai brasileiro” (Leminski, Millôr, Capinam...) já rompeu com esta rigidez. Ainda sobre o meu anfitrião, agora somos confrades na Academia Internacional Poetrix.



AIP5: Como acontece o seu processo criativo?

RRJ: Não tem hora, nem lugar. Sou daqueles que buscam sempre ter uma caneta à mão para registrar a ideia e depois, com tempo, trabalhar o que foi registrado. Às vezes estou entrando no sono e vem a ideia, às vezes já com as palavras em sua forma praticamente final. Depois é só um burilamento.



AIP6: O escrúpulo da exatidão está sempre presente?

RRJ: Não tem que ser exato, mas tem que ter sempre uma razão. Recentemente um amigo me presenteou dando o ChatGPT, que eu chamo de “Graça PaTrícia” e ele fez um poema longo de homenagem com 19 rimas “em ão”. Eu critiquei, ele então mostrou a ela um poetrix meu e solicitou que fizesse um poema em minha homenagem. Ela fez um belo poema, sem repetição de rima, como foi programado. Com um detalhe. No poema meu – A inútil Poesia - eu colocava como está escrito, em itálico, o adjetivo inútil, significando que era minha discordância e ironia de quem considera a Poesia inútil. Ela, a Graça PaTrícia, não captou a sutileza e, no poema, dizia: “A Poesia é inútil, mas é bela...; A Poesia é inútil, mas é necessária...”



AIP7: Como dribla seu desconhecimento em determinado campo do saber humano?

RRJ: Como bom ponta de lança, vou para o campo em que posso driblar. No campo que não posso driblar, passo a palavra para quem dribla e busco aprender. Mestre não é aquele que só ensina mas também aquele que aprende, como nos ensinou Guimarães Rosa.



AIP8: Para escrever é necessário beber, fumar, fazer amor, sofrer? Diga em unidades, litros, gramas, lágrimas etc. o que respalda você.

RRJ: Beber aos goles. Fumar eu não fumo. Fazer amor é sempre inspirador. Litros e litros de vinhos bebidos aos goles. Poucas gramas de café para se manter acordado e inspirado para escrever. Lágrimas, muitas quando for o caso e muitos risos também. A poesia abraça tudo isso... e mais... o indizível escondido entre as sílabas e os versos...


AIP9: É necessário ler os clássicos? Quais?

RRJ: Sem dúvida. Minha tese foi com pesquisa histórica. Você, melhor do que ninguém, sabe que o novo não nasce do nada. Ele bebe do passado e o modifica e cria a novidade. Para minha geração, Bandeira e Drummond já seriam clássicos. Imagine Dante. Ler os clássicos e não só Poesia. Fundamental ler Machado de Assis, Graciliano Ramos, Guimarães Rosa, Clarice Lispector e tantos outros e outras.



AIP10: Existe literatura sem a presença do mal?

RRJ: Acho que pode existir para celebrar o bem. Mas historicamente o “mal” sempre incitou os escritores, em especial os poetas, a escreverem para exorcizar a maldade. Denunciá-la... mas, ao mesmo tempo em que poetiza o inferno, logo sobe o penhasco do purgatório e depois os sete círculos do Paraíso.



AIP11: Digamos que, adormecendo, você tem uma ideia. Você se levanta e vai escrever ou deixa para o dia seguinte?

RRJ: Reitero: claro que me levanto, senão corro sério risco de perdê-la. “Mas qual foi mesmo a ideia que tive ontem?”. E o maior risco é da forma. Pode até lembrar do conteúdo e não lembra do achado na forma precisa.



AIP12: A Bahia lhe inspira? Qual, a atual ou a mítica?

RRJ: Sim. E ela é sempre mítica. É só você descer a contorno e se encontrar com a baía de todos os Santos. Deu-se a magia. Nem precisa ser escrita. Tem poesia ali...Você tem a Bahia de Salvador. A Bahia do Recôncavo, da Chapada, do Sul, do Extremo Sul, do Semiárido etc.



AIP13: Como vê o mercado editorial e o público leitor, hoje?

RRJ: Não é fácil. Editar livros de poesia sempre foi difícil. A Fundação Cultural do governo estadual aprovou meu primeiro livro “Poemas piche”, porém disseram que eu tinha que mudar o título porque o governo (ACM) estava combatendo os pichadores. Recusei a proposta e a Bureau editou meu livro, pedindo apenas que eles editassem os meus 200 e mais 100 para eles darem de presente de fim de ano aos clientes. Senti-me honrado e feliz. O público atual está se direcionando para uma leitura online, ligeira, curta e muitas vezes superficial. Porém, sou um otimista, mesmo em número menor o “bom leitor” sempre existirá.



AIP14: Você é autor de uma biografia de Juliano Moreira, médico psiquiatra negro, baiano. Como foi a experiência de mergulhar na vida desse importante personagem?

RRJ: Meu doutorado foi sobre o Hospital Juliano Moreira. Daí nasceu a curiosidade de conhecer aquele que o nomeia. Foi uma bênção. Tenho no livro vários achados originais de uma pessoa que se encantou em 1932, com várias dezenas de biógrafos.Por exemplo, sua data de nascimento (06 de janeiro de 1872), em geral é dita de modo errado: 1873. Seria ótimo se Juliano tivesse entrado na Faculdade com 13 anos, mas entrar em 1886 com 14 e se formar aos 19 anos é fascinante. No primeiro ano do curso, ele foi reprovado em Física. Nunca ninguém tinha registrado isso. E é relevante, pois ele faz a recuperação nas férias e conclui o curso, tendo a sua tese obtido a Distinção. A Faculdade de Medicina da Bahia, a Fameb, tinha dois prêmios seculares, o Manoel Victorino para Ensino e o Alfredo Britto para Pesquisa. Em 2001, levei à Congregação da Fameb a proposta do Prêmio Juliano Moreira para a Extensão e foi aprovado. Agora, todo semestre na formatura, fala-se no nome de Juliano Moreira. Por falar nisso, no início de 2022, uma jornalista do El País fez uma matéria e me citou três vezes e citou o prêmio (logo, leu o livro). Não é que o Google, no dia 6 de janeiro de 2022, colocou a imagem de Juliano para marcar e celebrar o dia? Goulart, querido criador do Poetrix, nem tudo está perdido... Risos



AIP15: Deixo aqui aberto o espaço para sua mensagem final.

RRJ: Viva a Poesia! Viva os Tercetos! Viva o Poetrix!








14 comentários:

Antonio Carlos Menezes disse...

Excelente! Parabéns, mestre Ronaldo... Abraços poéticos!

Pedro Cardoso disse...

Grande Ronaldo!!! Gostei demais de sua entrevista. Como é bom saber mais e mais sobre as pessoas que admiramos. Já sabia que você é um poeta de peso, mas não sabia que era tão grande... E viva a poesia!!!

Marilda Confortin disse...

Excelente entrevista! É um privilégio para a Aip ter pessoas de tão vasto conhecimento e sensibilidade, compartilhando suas caminhadas conosco. Obrigada, Ronaldo e parabéns Goulart pela condução da entrevista.
Vida longa à poesia!

Dirce Carneiro disse...

Parabéns à AIP pela entrevista. Cumprimento especialmente o poeta Ronaldo Jacobina.

José de Castro disse...

Parabéns a este acadêmico que tem um grande rol de publicações... Que siga assim, de vento em popa com os seus escritos, de largo alcance de público, incluindo a literatura infantil. Forte abraço, mestre Jacobina...

Marília Tavernard disse...

Parabéns Ronaldo, uma bela entrevista de Goulart. Sempre é bom conhecer um pouco mais dos amigos poetas e ver quão vasta é sua escrita. Abraços e sucesso cada vez maior.

Angela Bretas disse...

Grande prazer conhecer um pouco mais da sua trajetória literária .
Palmas 👏

Bianca Reis disse...

Ronaldo, meu padrinho querido, que jornada linda e rica. Parabéns!

Francisco José disse...

Parabéns, Ronaldo. Sua trajetória se projeta da literatura infantil aos clássicos. É delicioso conhecer e ler escritores assim.

Andréa Abdala disse...

Frida, Paçoca e o Poeta e O Poeta e o Lógico já fazem parte do meu acervo. Eu sou muito agradecida ao mundo virtual por ter encontrado uma pessoa tão sensível, acolhedora, amável, inteligente, amiga ... Obrigada, Ronaldo!!

Luciene O Avanzini disse...

Parabéns grande Ronaldo! Belíssima entrevista! Arrasou! Você transpira poesia!

Beth Iacomini disse...

Meu querido amigo, Ronaldo (Rone, no afeto). Sempre soube a grandeza de SER, que você carrega, agora, é o momento certo de ampliar a qualificação no afeto: GIGANTE RONE! Entendi ainda mais suas nuances e sutilezas da poesia, no poetrix, em especial, e prosa. Sua cultura nasce da sensibilidade, do olhar clínico com as gentes, os bichos, a natureza, e construir com tudo isso uma filosofia própria, gerando um projeto de vida encantador. Não é exagero, é pura admiração, imensa e crescente Você realmente me encanta. Guardo no coração e esperança o que você me disse, o que me deixou feliz, honrada, emocionada: "não posso morrer sem conhecer você, Beth!". Lembra? Aguardo com ansiedade a chegada deste dia. Parabéns, meu irmão de coração e alma! Sucesso é pouco para lhe desejar. Mas, sei que você sabe bem ler nas entrelinhas. For te abraço!
Parabenizo a AIP pelo trabalho que vem realizando!
Saudações poetrixtas!

Anônimo disse...

Amigas e Amigos Poetas, fiquei emocionado com as palavras carinhosas e generosas. Um forte abraço

Lilian Maial disse...

Que maravilha a sua carreira na Medicina, querido amigo! Essa pesquisa sobre a Colônia Juliano Moreira e sobre o médico psiquiatra que lhe deu nome foi incrível! Quero muito ler! Médicos têm um
tipo de poesia no sangue, como um vírus, algo assim. Muito bacana a trajetória literária também. Um cara simpático, simples e, no entanto, tão rico! Parabéns pela entrevista e também para o entrevistador! 👏👏👏