11 de mar. de 2022

Processo criativo - de Marilda Confortin


Meus Poetrix, poemas ou contos nunca nascem prontos. O título, então... é sempre a última coisa que escrevo. Sou lenta e escrevo pouco. Meu processo de criação é variável. Às vezes me ocorre uma ideia, sem forma. Anoto para o futuro. Outras vezes, ouço ou leio uma frase ou palavra, que me chama atenção. Anoto também. Nunca sei se usarei o que guardo no meu arquivo chamado de "baú de ideias".

Quando quero escrever um texto, seja poema, conto ou crônica, abro o baú e busco anotações que estejam de acordo com meu momento ou com o tema que estou escrevendo. Daí começo a brincar com as palavras. Faço perguntas a elas, troco-as de lugar, "torturo-as" para ver se querem me dizer mais alguma coisa. Bulo no texto, corto excessos, busco sinônimos, outros sentidos e assim vou sentindo se a ideia tem algum potencial ou não. Descarto muito mais do que aproveito.

Um exemplo: Eu precisava escrever Poetrix para uma Antologia. Abri o baú e encontrei um trecho de uma conversa que tive no whatsapp com uma velha amiga. Ela dizia:

"— Não aguento mais ficar em casa, confinada com meu marido. É muito desgastante. Ele usa o vírus como pretexto para não me beijar mais como antes. Esse vírus está acabando com meu casamento."

Achei que tinha potencial para Poetrix. O processo foi mais ou menos assim:

1. Extraí de cada frase o que me chamou atenção:

A covid confina/ em casa/ desgaste
Pretexto / falta de beijos e abraços
Casamento / acabando

2. Torturei as palavras:
O vírus (da covid ou do descaso?) confina. Limita abraços (ou imita abraços).
Os beijos não têm mais gosto (selinho? Perdeu a língua?).
O casamento (ou o isolamento) não tem mais graça (desgraçado!).
O casamento está desgastado (ou desgostoso?)

3. Reescrevi em forma de terceto. Lapidei buscando a concisão. Eliminei palavras duplicadas, artigos desnecessários, "desfatiei" orações, tentei dar poeticidade ao árido tema e encontrar um título apropriado. Reescrevi várias e várias vezes. Até que me contentei com o seguinte resultado:

Confinados em casa(mento)

Beijo insosso.
Abraço frouxo.
Desgosto desgasta.


4. Fiz um cheklist do que considero essencial à composição do Poetrix:
Tem título e menos de trinta sílabas métricas? Sim.
É poético? Acho que sim (mãe sempre acha o filho bonito, né?)
Tem fatiamento de orações? Não
Tem Figura de Linguagem ou outros recursos? Usei o sinal de parênteses para extrair a ambiguidade da palavra casamento (duplo sentido).
Provoca alguma surpresa? Particularmente me surpreendi com o duplo sentido do título e com o efeito (susto?) das palavras do último verso.

Esse Poetrix foi um dos selecionados para entrar na Antologia 7 [R]Existir. Que maravilha!

E você? Como é seu processo de criação?

Marilda Confortin - Cadeira 14 - AIP

7 comentários:

Regina Lyra disse...

O processo criativo segue um caminhos interessantes. Cada escritor segue momentos específicos, entretanto, creio, há instantes semelhantes. Guardar uma frase ouvida, uma resposta a um texto, a leitura, sobretudo é fundamental. Assim segue, entre outros.

Andréa Abdala disse...

Vou escrever um texto também!
Gostei muito de conhecer o seu.

Dirce Carneiro disse...

Também farei um. Cada um tem seu jeito.
Uma vez, num retiro, o celebrante pediu para cada um ter uma conversa íntima com Deus, conversa sincera, até confissão se fosse o caso.
Nunca me esqueci da orientação dada com sotaque alemão:
"Faça do seu jeito, o seu jeito é o jeito certo"
Tem coisas que a gente gosta e a frase eu levo para a vida, talvez tivesse sido apenas uma confirmação do que eu já fazia.
Mas não se preocupem, na feitura do Poetrix eu sei que o jeito certo é o jeito que faz do poetrix um Poetrix, às Diretrizes estão aí para dizer o jeito certo.

Dirce Carneiro disse...

Tirem a crase de as Diretrizes estão aí para dizer o jeito certo.
Não consegui apagar nem corrigir

Francisco José disse...

O processo criativo implica em recriar, que é mais do que escrever, pois é viver de novo, resgatando aquilo que deixamos nos escritos que empreendemos.

Pedro Cardoso disse...

Putz!!! Que texto bacana, gostei demais. Como é bom conhecer o processo criativo de uma pessoa tão criativa! isto não é um texto, é um presente. E viva o processo criativo. Quero conhecer outros...

José de Castro disse...

Gostei de saber que você também gosta de brincar com as palavras. Gosto de autores que usam esse brincar no seu processo criativo, como Sylvia Orthoff, José Paulo Paes e, claro, o patrono da minha cadeira, Paulo Leminski. Brincar com as palavras rende-nos uma safra divertida em nossas produções. Parabéns, Marilda.