31 de mar. de 2021

PARA VIVER UM BOM POETRIX, por Goulart Gomes

PARA VIVER UM BOM POETRIX
(Goulart Gomes, parafraseando Vinicius de Moraes)


Para viver um bom poetrix, preciso é muita concentração e muito siso, muita seriedade e algum risco - para viver um bom poetrix.

Para viver um bom poetrix, mister é ser um poeta só daquela inspiração; pois ser de muitas, poxa! é de colher... - não tem nenhum valor.

Para viver um bom poetrix, primeiro é preciso sagrar-se poetrixta e ser de sua idéia por inteiro - seja lá como for. Há de fazer do corpo uma morada onde clausure-se a musa amada e postar-se de fora com uma caneta - para viver um bom poetrix.

A pitada e o ponto, por Aila Magalhães

Quem cozinha conhece o segredo de um bom poetrix.

Não há receita no mundo capaz de ensinar o tamanho certo da pitada, a exata intensidade da mexida no tacho, a precisão do tempinho a mais no fogo. É tudo decidido no olhar cheio de interesse, no cheiro que se espalha pela cozinha, na ponta da língua...

Quem nunca se maravilhou perante um prato, surpreendido na descoberta de um tempero tão sutil quanto imprescindível? Assim também ocorre com o poetrix. Um título, três versos e trinta sílabas? Não basta! Há que se acrescentar pitadas de amores e humores e se mexer com jeito para não desonerar o molho.

A poesia por um trix, por Aníbal Beça

Trace três versos triscando o toque do temporal mínimo oriental de um santo Bashô, que baixou na Baixa do Sapateiro para buscar no azeite de dendê e na pimenta malagueta seu cavalo-de-santo, temperado no mar da Bahia, Oropas, França e Japão.


Dormiu cem anos de solidão na rede latino-americana, na cesta das tormentas, entre a sesta dos excluídos e escolhidos, para dar o salto do canga-pé universal. Falo de um personagem criativo e criador que, como xará onomástico de ex-presidente deposto por golpe, atende e diz-se Goulart Gomes.

O cognato: use e abuse de aliterações, assonâncias, rimas, símiles, onomatopéias, metáforas, metonímias, e outras que tais do inferno gramatical, mas podem chamá-lo poetrix. Um pelo outro, mescla-se o troco, ganha-se em dobro de corda e caçamba bem amarradas. Goulart e poetrix, não se largam. São um só: pai, filho e espírito santo.

O verso é como remédio: três em um. E cura cotovelo de apaixonado, espinhela caída de donzela, males da cornucópia, bochicho de esquina de mal-dizer & bem-querer, desigualdades da cólera social. Tudo em drágeas de colorido humor, no senso exato, que não subestima, inteligente, transgressor et, por cause, libertário.

No palimpsesto do verso, o reverso que retorna às liças medievais pela boca soteropolitana-gregoriana: o canto da boca do paraíso e do inferno
tropicais, de mel e fel, na síntese da Nova Trova, nas palavras da tribo de hoje. Daqui e d'além mar.

Um fenômeno que tomou de assalto as caravelas de bucaneiros que navegam pelos mares sistêmicos-internâuticos. De fato e de direito, pelo mérito, já se faz história, como primeiro movimento universal saído dessa rede. Não há como deletar, Tem-se que engolir o gênio baiano.

Morasse Goulart em São Paulo, ele já seria alçado parelha ao movimento dos concretos, do qual não nega ser caudatário. Sucesso no Brasil é perigoso. E quando se espalha babel, as línguas de fogo mexem com zelos-celos de salieris de atalaia. O Tom Brasileiro, afinado, já descobrira: " É um insulto" .

Que seja um insulto. Mas um insulto que o mundo já adota como um soco
renovador acabará por nocautear os misoneístas renitentes É ver para crer.

Os neofóbicos que me perdoem, mas o novo é fundamental.

Não gostava, como diria um poetrixista português, de me debruçar sobre as "amargas". O instante é de festa, de comemorar na dança das palavras. Pois então saudemos esta antologia com as alvíssaras que ela carrega. Que a Boa Nova, desça aos infernos e ascenda aos céus, com a mesma manemolência que fez de Pastinha um mestre:

Sai da rasteira
do tombo no seu quilombo -
Ás da capoeira!
Aníbal Beça

Fonte: https://poetrix.net.br/


Poetrix

EDUCAÇÃO DA CENSURA

Como está difícil a vida.
Tornou-se tão sombria
Ignorância aplaudida.

(Regina Lyra)

Poetrix

Estranhamentos

Escavo silêncios.
Dentro do poema,
Desvazio-me.

(Gilvânia Machado)

Apresentação da I Antologia Poetrix, por Alice Ruiz

Dizem os sábios que: o UM é a energia criadora, o Yang, o masculino; o DOIS, a materialização da energia, o Yin, o feminino; o TRÊS, resultado do encontro deles. Portanto, mágico.

Na poesia, os três versos sempre acharam alguma forma de se impor como forma, nem que fosse como estrofe. Até, enfim independentes, atingirem seu apogeu no haikai. 

Mas como poesia é liberdade, nova independência surgiu. 

E agora, diziam os poetas, que fazer com os tercertos que não seguem as regras do haikai mas insistem em acontecer? 

Eis que o profeta, digo, o poeta Goulart Gomes, tirou-os do limbo em que viviam, por falta de batismo, inventando a palavra Poetrix. 

Essa antologia é apenas o começo da história feliz do terceto que se salvou por um triz. Digo, por um Poetrix...

Alice Ruiz

Fonte: https://poetrix.net.br/

Poetrix

Divi_dida

não queria
ser deus
só duas...

(Aila Magalhães)

Breve resumo da trajetória do Poetrix

O POETRIX foi criado pelo escritor baiano Goulart Gomes e tem sua origem na publicação do seu livro TRIX - POEMETOS TROPI-KAIS em 1999, durante a III Bienal do Livro da Bahia, quando também foi publicado o  I MANIFESTO POETRIX, 

Em 2000 foi criado o MIP - Movimento Internacional Poetrix, sob coordenação de seu criador e  foram nomeados poetrixtas coordenadores em diversos estados do Brasil e também em Portugal, Argentina, Estados Unidos, Venezuela, Colômbia, Itália e Espanha.

O MIP realizou oito Concursos Literários Internacionais e publicou seis coletâneas com a participação de autores brasileiros e estrangeiros. Estimulou a publicação de diversos livros e promoveu a divulgação de Poetrix através da Internet.

Vinte anos depois, o MIP foi extinto e em seu lugar foi criada a Academia Internacional Poetrix, em 01/07/2020.

POETRIX: UMA PROPOSTA PARA O NOVO MILÊNIO, por Goulart Gomes

Em 1984 a Universidade de Harvard (USA), solicitou ao escritor e crítico Italo Calvino que elaborasse uma série de palestras a respeito das qualidades da escritura. Ao todo seriam seis palestras. Contudo, em 1985, este escritor nascido em Cuba, mas radicado na Itália, viria a falecer, deixando prontas apenas cinco palestras. Estas palestras foram reunidas em um livro publicado no Brasil pela Companhia das Letras, sob o título “Seis Propostas Para o Próximo Milênio”.

Com sua vasta cultura, Calvino discorre com bastante elegância e propriedade acerca destas “qualidades” - Leveza, Rapidez, Exatidão, Visibilidade e Multiplicidade - fazendo um rico passeio pela literatura universal, desde os clássicos até os escritores contemporâneos.

SOBRE A (IN)UTILIDADE do POETRIX, por Marilda Confortin

Um dos principais atributos da poesia é a inutilidade. Não fosse isso, ela já estaria extinta por obsolescência. 

Tudo já foi escrito e cantado em verso e prosa de todas as maneiras possíveis. 

Mas, a revelia dos tempos, da evolução tecnológica e da opinião dos críticos literários que execram os textos ingênuos, todo dia, em algum lugar dessa terra, alguém se depara pela primeira vez com uma lua cheia e solta um “putaqueospariu que coisa mais linda!” ou enche o peito e sem vergonha declama o primeiro versinho que lhe vem a cabeça “não há, ó xente, ó não, luar como este do sertão”[1]. 
E começa tudo outra vez: nasce um novo poeta rimando amor com dor, criança com esperança, lua com nua, Brasil com anil. 

II MANIFESTO POETRIX - 2002

Dos males, o menor!

Toda vanguarda será retaguarda: se não podemos ser eternos, sejamos pós-modernos; se não somos pós-doutores, sejamos pós-autores. Todas as ideologias estão mortas, todos os sujeitos fora de lugar.

Viva o Minimalismo e vamos flanar! O poetrixta desfolha a bandeira: descerrar é melhor que dissertar.

Nada se cria, tudo se copia, concluíram Bakhtin e Chacrinha. Então, vamos hiper, intra e intertextualizar, sejamos dialéticos, digitais e dialógicos. Queremos a inter/ação, queremos o simulacro, a paródia, o pastiche, o duplix, o triplix, o multiplix, o grafitrix, o clonix, o concretrix! Viva a ciberpoesia!

Fazer poetrix não é fatiar uma frase em três partes. Viva a insubordinação gramatical, a desobediência civil! Abaixo as orações coordenadas e subordinadas!

Fora do título não há salvação.

Não mais que trinta sílabas para dizer o máximo.

E viva o canibal! Viva o caeté que comeu Sardinha e viva o Cabral!

Vamos privilegiar a inteligência do leitor! Que ele morda, mastigue, engula e faça a digestão. Que se vire! Abaixo os derramamentos da poesia fast-food! Dizer muito, falando pouco. Concisão e coerência. Exploremos os significados polissêmicos das frases, a riqueza semântica das palavras, valorizemos as metáforas.

Queremos o salto
o susto
a semântica
a leveza
a rapidez
a exatidão
a visibilidade
a multiplicidade
a consistência

Queremos o Século XXI! Vamos acordar o Novo Milênio!

O poetrix é um projétil que se aloja na alma. O poetrix é um vírus em nossa memória discursiva. É a suprasíntese.

Viva Bakhtin, Kristeva, Calvino, Oswald e Drummond!

E viva a Poesia!

E viva o Poetrix!

Viva a alegria e viva um planeta chamado Bahia!

Viva eu, viva tu e viva o rabo do tatu!


Maior é Deus.

Goulart Gomes

Bahia, Brasil, 28/07/2002.

MELHORES POETRIX DOS ANOS 2001 A 2007

MELHORES POETRIX - Eleitos pelos integrantes do MIP
Fonte: poetrix.net.br

2001

PESSOIX
(Goulart Gomes)

um terço de mim delira
um terço de mim pondera
outro terço: ah! quem dera!


2002

ORTOGRAFIA 
(Anthero Monteiro)

uma gaivota só
um til sobre a palavra
imensidão


2003

Fútil 
(Armando Leal)

sinto-me vazio e escrevo.
as letras parecem pedras,
e doem-me os gestos.


MORTE 
(Anthero Monteiro)

uma cadeira vazia na alameda
sentada numa tarde de outono
a olhar o meu ponto de fuga


2004

AGENDA CHEIA
(Eliana Mora)

Marquei encontro comigo.
E [como sempre]
não fui.


2007

PRÉ-NATAL 
(Marilda Confortin)

Dilato, contraio, ardo.
Estou prestes a parir
mais um ano bastardo.

I MANIFESTO POETRIX -1999



O I Manifesto Poetrix  foi publicado no livro TRIX POEMETOS TROPI-KAIS, de Goulart Gomes (Bahia: Pórtico Ed.,1999), premiado com Menção Especial pela Academia Carioca de Letras e União Brasileira de Escritores-RJ, em 2000


Alguns conceitos foram modificados posteriormente pelo MIP- Movimento Internacional Poetrix. 






Foi Aníbal Beça, um dos maiores pesquisadores brasileiros de Hai-Kai, quem gentilmente me falou: "Goulart, pode chamar seus inventivos tercetos do que quiser, menos de Hai-Kais". E ele estava absolutamente certo. Não podemos dizer que suco de uva é vinho sem álcool. O Hai-Kai (ou Haiko) é uma milenar arte oriental, que vem aprimorando-se com o passar dos séculos. Mexer na essência das coisas significa criar uma coisa nova, diferente da anterior.

Assim, necessariamente, o Hai-Kai deve possuir 17 sílabas, divididas em 3 versos de 5, 7 e 5 sílabas; conter alguma referência à Natureza; referir-se a um evento particular e ater-se ao Presente.

O que apresento neste livro - e que também é feito por muitos outros poetas - é o que agora proponho se chame POETRIX (poe, de poesia, poema; trix, de três, terceto), ou seja, a poesia em três versos, o terzetto, originalmente chamado na Itália.

Mas não apenas isto: venho propor, também, um gênero com características (não, regras) bem definidas e abrangentes:

1. No POETRIX, o título é desejável, mas não exigível. Ele exerceria uma função de complementaridade ao texto, definindo-o ou sendo por ele definido.

2. Não existe rigor quanto ao número de sílabas, métrica ou rimas no POETRIX, mas o uso do ritmo e da similaridade sonora das palavras, sim.

3. O uso de metáforas e outras figuras de linguagem são uma constante no POETRIX, assim como a criação de neologismos.

4. A interação autor/leitor deve ser provocada através da subliminaridade do POETRIX.

5. O POETRIX é necessariamente uma arte minimalista, ou seja, ele procura transmitir a mais completa mensagem com o menor número de palavras.

6. O POETRIX considera Passado, Presente e Futuro como uma só dimensão: TEMPO, podendo ser utilizado indistintamente.

7. No POETRIX o observador (autor), as personagens e o fato observado podem interagir, criando condições suprarreais ou ilógicas ("non sense").

O POETRIX é tipicamente urbano. Ele também aproxima-se das leituras visuais, concretas, do epigrama e do caligrama, podendo ganhar formas animadas. Um experimentalismo deste tipo de POETRIX foi por mim realizado com a produção do livro em disquete MAIS FRACTAIS, em 1996.

O POETRIX vai muito além do ascetismo espartano do Hai-Kai. É isso o que trás este livro: poemetos tropi-kais, leves como quem vive abaixo da linha do Equador. Convido os poetas a exercitá-lo e os leitores a apreciá-los.

A capa deste livro é uma homenagem a Pablo Picasso, que também descobriu, em 1907, um jeito diferente de ver o mundo.

Muito obrigado.

Goulart Gomes


Poetrix


Mês(mice)


Mais um mês finda.
Por ele, não bebo sequer uma taça.
Nenhum estalo da língua.


(Marilda Confortin)

Poetrix "Balanço anual" de Marilda Confortin