27 de abr. de 2023

CARTA PARA UM AMIGO, POR PEDRO CARDOSO

 



Carta para um amigo escritor 

por Pedro Cardoso


Brasília, 31/03/23


Ô meu amigo, quanto tempo?! Já nem me lembro de quando foi que escrevi pra você pela última vez. Estou até envergonhado. Sei que fazem alguns carnavais, cada qual, mais distante e saudoso. Isto sem falar do período recente da pandemia, que horror! Fiquei literalmente confinado. Ficamos. Foi assim que embaralhei os pés nos passos, por esses anos todos.

Não vou dar notícias da minha querida Flor. Escrevi para ela recentemente, estamos com as conversas em dia, a par e passos... tudo como lhe falei da última vez, sem mais nem menos.

Hoje, quero confessar que ando com a cabeça voltada para o Minimalismo, sigo encantado! Por isso lhe escrevo para contar as novidades.

Passeando pela internet deparei-me com a expressão: "o mínimo é o máximo". Esta frase é uma antiga companheira de caminhada. Fica martelando em minha cabeça, por vários dias. Ela sempre faz todo sentido para mim.
Vivo às voltas com poemas enxutos, adequados às figuras de linguagem e com títulos que induzem o leitor a relacioná-los com o conteúdo.

Sei que você gosta de uma boa leitura, principalmente de poemas dos poetas clássicos, isto é bom demais! Mas gostaria de lhe falar sobre uma tendência minimalista que, ora, aflora com mais intensidade, tanto na internet como nas publicações de livros autorais e revistas literárias. É um gênero relativamente novo. Não sei se você, que mora do outro lado do mundo, já teve algum contato ou ouviu falar do terceto que se chama Poetrix. Ele foi criado em 1999, pelo poeta baiano Goulart Gomes. No início éramos um grupo de uns gatos pingados (acredita que faço parte deles?), dez escritores ou até menos. Tudo era trocado na base dos e-mails, as mensagens corriam de um computador ao outro, sem dó nem piedade. Sempre sob a batuta do seu refinado criador.

O Poetrix nos oferece muitas facetas: é humorado, é transgressor, é narrativo, faz história. Ele está ganhando fôlego entre os poetas de primeira linha, com muita rapidez. O grupo já saiu das nossas fronteiras, ganhou o mundo minimalista, com vontade!

Vou lhe apresentar um exemplo que consta do livro que escrevi - ainda falando das novidades!.
Espero que goste e tente fazer um outro desses tercetos para mim. Quem sabe....
No começo pode parecer complicado, mas depois de algumas tentativas frustradas, vai perceber que é bem legal!
Podemos trocar "figurinha": para cada um que você me mandar, vou devolver dois bem fresquinhos. Combinado?

No início tem-se a tendência de escrever uma frase dividida em três partes - um poetrix um tanto "capenga", para as propostas mais atuais. Não poderia deixar de registrar, no entanto, que os clássicos contêm verdadeiros tesouros.
É que, no começo, era aceitável, mas com o passar do tempo ele ficou mais exigente, mais elitista, mais sofisticado e até mesmo mais atrevido. Hoje o que é desejável é que não seja uma frase "esfaqueada".

Vou lhe mostrar as particularidades, em detalhes, para que você não se assuste de imediato. Vamos no passo a passo.


Primeiro vou apresentar um Poetrix clássico, escrito por mim. Na verdade é uma frase fatiada em três partes, como se fossem três versos. Mas, ainda assim, tem um efeito bonito e forte. Gosto muito dele!

Veja:

Fome

a distância
entre a mão e a boca
tem nome...

É importante notar, que mesmo sendo uma frase fragmentada, ela nos remete ao título e a leitura se repete, como em um ciclo.

Eu disse, lá no início, que não falaria da minha amada, mas é impossível deixá-la de lado quando estou confabulando com a Poesia. Ela é a minha rima mais que perfeita, faz parte dos meus escritos, das minhas loucuras, do meu dia a dia. Como você sabe, sempre a chamo de Flor Azul.
Pois bem, falando nela, vejamos um outro exemplo:

Amor,

doçura de Flor, atiça delitos
todo cuidado é pouco.
picantes temperos aguçam desejos

O título é uma peça importantíssima dentro do contexto. Ele tanto pode ser longo como curto, uma única palavra já é suficiente, por vezes. Este fato é relevante porque ele não faz parte da contagem das sílabas que compõem o Poetrix (no qual,é permitido até trinta sílabas métricas).

Pois bem meu amigo, dizem que um poema que precisa de explicação não é bom. Não vou dar explicações sobre o poema. Quero apenas lhe dizer como gostaria que você lesse o texto para que possa ir se familiarizando com a arte deste estilo de escrita. Desejo ajudar na compreensão dos pontos ora abordados.

Veja que, após o título, coloquei uma vírgula. Fiz isto para que o poema fosse lido como eu o idealizei. Com esta pontuação, adiciono o título ao primeiro verso, para que a leitura seja feita da seguinte forma: Amor, doçura de Flor. Trago a força do sentimento junto. Observe também que usei a palavra "Flor" com letra maiúscula, uma referência à minha amada. Se tirar a vírgula, a leitura fica diferente, você vai ler: Amor (.)__doçura de Flor, atiça delitos. Nesta hipótese, aparece mais a minha afirmação de que a... Mulher atiça delitos.

Sobre o segundo e o terceiro versos, podemos conversar melhor depois. Assim, deixamos nossos assuntos sempre a postos!

Agora você já pode tentar! Venha para esse mundo de loucos escritores, o mais rápido que puder! É um convite especial. Como deve ser a Amizade.

Um grande abraço... E viva a poesia!!!

8 comentários:

Antônio Carlos Menezes disse...

Bravo bravo bravo!!! Excelente!!! Parabéns, Pedro!

Marilda Confortin disse...

É isso! É isso que eu gostaria de postar no blog, além dos nossos Poetrix e grafitrix. Textos literários que falem sobre o Poetrix, que dialoguem com nosso terceto, explorem a capacidade literária dos acadêmicos, cada um à sua maneira.
Bravo, Pedro, por inaugurar esse espaço, que espero ser acatado pela diretoria da AIP e demais acadêmicos.

Oswaldo Martins disse...

Pedro & demais poetrixtas,

Depreende-se do belo texto a dinâmica do poetrix que se nos tem revelado ao longo de sua evolução histórica no grupo de discussão dedicada ao poemeto de Goulart, no qual muitos dos profetas mais antigos continuam poetrixando até hoje.

O poetrix eclodiu com singular cara de ente mutante na literatura, ganhou título, foi-lhe arbitrado tamanho pela soma dos pés métricos dos versos etc. Tem-se, por conseguinte, que o poetrix de ontem ficou diferente do poetrix atualmente praticado. Certamente, no porvir haveremos de ter um novo poetrix ou - quem sabe? - sejam nele reunidos elementos de outrora ao tempo que aconteçam novíssimas mudanças, como tem sido o caso no âmbito das inovações e criações nas sedimentadas formas poetrixticas de expressão: duplix, grafitrix etc.

Mudanças são sempre bem-vindas, mas essas, por óbvio, não devem dificultar as suas criação e disseminação mundo afora. Olho nisso!

Por fim, vê-se o poetrix em movimento...

Go ahead!

AbraçOswaldo

Dirce Carneiro disse...

No que pese a espontaneidade do texto, carta sempre é de comunicação direta,foram expressos conceitos sobre o Poetrix que exigiriam maior elucidação, como o Poetrix ser elitista, sofisticado, etc. o que à primeira vista, para o leitor que busca o entendimento do fazer iniciático, pode causar estranheza.

Andréa Abdala disse...

Escrever um Poetrix é algo que transcende a barreira do tempo. Tudo na vida evolui para melhor e assim foi com este amável terceto que vive assombrando meus dias nos últimos vinte e três anos. Assombrando sim, convivo muito bem com o passado e me sinto sempre uma apaixonada pelo presente. Viva a poesia!! Viva o Poetrix! Viva a Vida!

Andréa Abdala disse...

Pedro, adorei sua carta!! Escreva outras mais!!

José de Castro disse...

A carta tem seus méritos de buscar uma linguagem simples e interativa para passar alguns conceitos sobre o Poetrix. Realmente, no passado havia muita quebra de frases em versos (quem nunca fatiou?), não que isso não estivesse nas recomendações da Bula Poetrix como algo a se evitar. Essa recomendação é importante de ser seguida porque assegura versos mais consistentes e com independência sintática entre eles. Vamos seguir divulgando o Poetrix para valorizá-lo cada vez mais como uma expressão minimalista moderna (não diria elitista), que pode seguir fazendo escola e aperfeiçoando a sua linguagem poética. Abraços, Pedro!

Dirce Carneiro disse...

Como dito acima, o texto de louvação do Poetrix, de Pedro Cardoso, no estilo espontâneo de uma carta, traz conceitos sobre o Poetrix, ao falar, entre outras coisas, que esta forma literária se tornou, ao longo do tempo, elitista, termo com o qual não concordei, levei o assunto a debate na Academia mas houve, por parte do autor e de um membro da Diretoria, a defesa do conceito. Continuo não concordando, por entender que o Poetrix, como toda e qualquer Arte, não pode ser segregacionista, um dos sinônimos que se dá para o termo elitista. A arte, por mais difícil que seja o acesso a ela, o que não é o caso do Poetrix, deve estar ao alcance de todos. Não estamos falando de pessoas, mas da arte literária Poetrix.
Pessoas de todas as classes sociais, das mais carentes às mais abastadas, podem se dedicar a qualquer arte e tornar-se expoentes num determinado ofício. Assim acontece porque a Arte a que se dedicaram estava à sua disposição, eles tinham livre acesso a ela, o que não aconteceria se fossem artes elitistas, isto é, destinadas apenas a um perfil de pessoas.