4 de out. de 2022

Entrevista com acadêmico Goulart Gomes


AIP – ENTREVISTA POR ESCRITO DE ACADÊMICOS PARA O BLOG

ENTREVISTADO: ACADÊMICO GOULART GOMES
CADEIRA: 1
PATRONO: MATSUO BASHÔ

Neste mês a AIP apresenta entrevista com o historiador, poeta, poetrixta, Goulart Gomes, criador do Poetrix.

Sua biografia, bem como seu discurso de posse, podem ser lidos no menu Biografias, e Discursos do Blog da Academia.

Primeiramente, quero agradecer ao acadêmico por ter aceitado dar esta entrevista, exclusiva, para o Blog da Academia Internacional Poetrix – AIP. 

Agradeço também em nome da Diretoria.

1) Como a sua formação acadêmica se conecta à sua produção literária?

R: Minha trajetória literária teve início em 1985, mas somente em 2003 concluí uma formação acadêmica relacionada à literatura, que foi uma especialização em Literatura Brasileira, pela Universidade Católica de Salvador (UCSAL). Esse curso promoveu uma guinada na minha produção literária. Foi a partir dali que comecei a trabalhar cada vez mais com a prosa e os ensaios e menos com a poesia. Como o poetrix foi criado em 1999, essa formação não influenciou a sua origem

2) A Bahia, seu estado natal e onde você reside, influencia seu trabalho literário?

R: É indissociável a produção literária de um autor e o contexto em que ele vive, seja ele local, nacional, internacional, nos aspectos social, político, econômico, cultural, etc. Sim, o “bahian way of life”, em suas mais diversas formas de manifestação - seja a baianidade nagô, os sertões, o recôncavo, o sul cacaueiro, a nordestinidade das margens do São Francisco – passeiam pelas páginas das minhas obras.

3) Que livros você já escreveu e em que gêneros? Qual a matéria dos seus livros?…

R: A matéria-prima dos meus livros é a Vida, o Universo. Tudo que é humano me pertence,
e também uma ínfima porção do Sagrado. 

Já publiquei treze livros de poesia, outros de conto, teatro, ensaios, ficção científica e participei de 55 coletâneas. Gosto de destacar LinguaJá (poesias), Minimal (poetrix), Todo Tipo de Gente (contos) e A Greve Geral (teatro).

4) Como escolhe os títulos das suas obras? Se fosse definir o seu estilo, na prosa e na poesia, o que diria?

R: Os títulos brotam do próprio conjunto dos textos ou poesias que compõem o livro. Gosto de títulos inusitados, que fujam do lugar-comum. Não sei se tenho um estilo predominante. Na poesia sou minimalista. Na prosa, realista. Permeando tudo, a crítica social, o protesto, os ideais socialistas.

5) Como conheceu a poesia minimalista? Qual o legado do Movimento Minimalista?

R: Conheci a poesia minimalista lendo Paulo Leminski, Millôr Fernandes e Bashô, meu patrono na Academia Internacional Poetrix. Eu preferiria falar do movimento poetrixta, do qual sou um dos precursores, que se inicia em 1999. Através do então existente Movimento Internacional Poetrix promovemos a propagação da arte de escrever textos curtos, que impulsionou não apenas o poetrix, mas promoveu um ressurgimento de textos curtos, seja na poesia ou na prosa, e a eclosão de propostas de novas linguagens poéticas, também chamadas de poesia experimental. É indiscutível a contribuição, direta e indireta, dada pelo poetrix à literatura brasileira.

6) De onde vem sua inspiração para escrever? Como é seu processo criativo? Tem períodos em que não produz? Se sim, como reage?

R: Sim, como quase todos os autores, tenho meus períodos de bloqueios criativos, meus anos sabáticos, minhas crises autorais. Com o tempo aprendemos a lidar com isso, principalmente quando não se depende da escrita para sobreviver. Meu processo criativo se inicia com uma frase, uma imagem visual ou uma ideia, são os “starts” da criação. A partir daí vem o desenvolvimento do texto... ou não. Assim, qualquer coisa pode ser uma fonte de inspiração. O escritor é um “ledor” do universo à sua volta.

7) Como criador do Poetrix, como analisa a dimensão que ele alcançou? O que ainda almeja para ele? Existe a perspectiva do Poetrix ser reconhecido e inserido no estudo da Língua Portuguesa, na Literatura Brasileira e de outros países?

R: É muito gratificante perceber a abrangência que o poetrix tem hoje no cenário nacional e o seu destaque dentro do universo minimalista. O poetrix se desenvolveu em um grupo virtual, no antigo Yahoogrupos, e desde o início existiam participantes de todos os estados do Brasil. Ou seja, ele já nasceu grande, com capilaridade nacional. De lá para cá, só tem crescido. O poetrix já está inserido nos estudos de Língua e Literatura. É exemplificado em livros didáticos, utilizado de forma didática em escolas de todo o Brasil, incluído em dicionários literários, monografias e ensaios acadêmicos são escritos sobre ele. O que necessitamos, nesse momento, é a sua inserção no léxico oficial da língua portuguesa, o que é realizado pela Academia Brasileira de Letras. Quanto a outros países, ainda há um longo caminho a ser percorrido. Se o poetrix tivesse sido criado por um estadunidense ou europeu, já teria ganho o mundo.

8) Qual foi sua motivação para criar a Academia Internacional Poetrix – AIP? O que representa ser um acadêmico da AIP?

R: Com a criação da AIP pretendi, em primeiro lugar, reconhecer a contribuição de diversos poetas, ao longo de muitos anos, à divulgação do poetrix. Em segundo lugar, continuar o trabalho de propagação, iniciado pelo Movimento Internacional Poetrix - MIP. Finalmente, promover a atuação conjunta da AIP com outras academias e instituições literárias. As primeiras cadeiras da AIP foram ocupadas por indicação, mas as subsequentes são ocupadas através de votação dos acadêmicos, procurando sempre respeitar a paridade de gênero entre homens e mulheres.

9) Por que escolheu Matsuo Bashô como seu patrono?

R: Bashô é um gênio. 

Ele foi muito além das tradições culturais japonesas e se tornou universal, cantando a sua aldeia (como diria Leon Tolstói ).

Aliou a essência do zen-budismo e a contemplação do Universo à arte minimalista, fazendo da poesia o seu bonsai, o seu origami.

Continua muito atual, séculos depois de ter vivido.

É o grande precursor de tudo que fazemos hoje e um tremendo rebelde, transcendendo as próprias normas rígidas do haiku.

10) Como é sua interação nas atividades oficiais da Academia?

R: Procuro divulgar e participar de quase todas as realizações da Academia, através das publicações impressas e virtuais, das reuniões, dos debates internos, por vezes desgastantes. Além disso, propago a AIP nas instâncias literárias nas quais estou inserido.

11) O Poetrix é uma forma fixa com cânones bem definidos e isso o distingue de outros tercetos e o insere no âmbito clássico. Paradoxalmente, também é uma criação moderna, pelo minimalismo, rapidez, liberdade de temas e outros aspectos. Qual seria o maior “pecado” na construção de um Poetrix?

R: A mesmice, a falta de inovação, de criatividade. O poetrix tem que ter o salto e o susto, que é como definimos a capacidade do autor provocar uma surpresa, um espanto no leitor. Assim como na fotografia, às vezes é preciso escrever 100 poetrix para se aproveitar um. E nem todos que são escritos precisam ser publicados.

12) Qual é a sua opinião sobre as entrevistas que a AIP vem promovendo no seu Blog? Tem alguma sugestão a fazer?

R: São extremamente importantes, porque nos proporcionam conhecer um pouco mais o lado pessoal dos autores, o que pensam e suas visões da literatura e do mundo. Além de propagar o nome dos entrevistados para um público maior. Não tenho sugestões. Creio que o conselho editorial da publicação tem realizado um bom trabalho.

13) Qual projeto você gostaria de implementar na AIP?

R: Eu promovi a implantação de diversos projetos, no período do MIP, por isso tenho preferido que a AIP crie, desenvolva e implante novos projetos, os quais sempre terão a minha colaboração. Há pouco tempo sugeri a criação de um prêmio anual ou bienal para livros de poetrix publicados.

14) Participa de algum projeto literário-cultural na região onde mora? Fale-nos sobre eles.

R: Acompanho a produção literária realizada na Bahia, mas sem me envolver diretamente em nenhum projeto. Nos últimos anos tenho dado mais ênfase à participação e produção na minha outra área de atividade cultural, que é a numismática.

15) Além da AIP, de que outras Academias você participa?

R: Por enquanto, nenhuma. Foram criadas inúmeras academias privadas no Brasil, sem nenhuma expressão literária, apenas para recolher contribuições financeiras dos associados, em troca de diplomas que nada representam, e para organizar coletâneas cooperativadas. Não realizam nenhum projeto válido, não têm nenhum projeto viável. São tão inúteis quanto um livro em branco.

16) Qual sua opinião sobre os coletivos literários na internet? E os coletivos literários feministas, qual sua opinião sobre eles?

R: Os coletivos, sejam virtuais ou materiais (a maioria são um pouco dos dois), são importantes para a revelação de novos autores e ampliação do público leitor. Quanto às associações em torno de mulheres, negros, indígenas, gays, são necessárias para dar visibilidade à proposta literária desses autores, que talvez não tivessem oportunidade no “cânone” estabelecido. Mas é importante lembrar que o leitor quer ter acesso a obras de boa qualidade, seja lá quem as tenha escrito. Nenhum leitor lê apenas mulheres ou apenas negros. Ele lê em função daquilo que gosta, do que lhe dá prazer e se identifica. Eu fui convidado a ser prefaciador de um livro que teria apenas poetisas, pelas suas organizadoras, e depois fui vetado pelas integrantes, por ser homem. Acredito que não podemos nos pautar pelos extremos.

17) Como você encara o papel da Arte na nossa vida, na sociedade, no Brasil e no mundo?

R: A Arte é o que nos ajuda a suportar a Realidade. Viver é para os fortes. Viver tangencia os limites da insuportabilidade. A Arte, o Esporte e a Religião, principalmente, atenuam esse diário castigo de Sísifo que é o viver. Fazem-nos suportar as desigualdades sociais, os ditadores, os vírus e os vermes, a opressão, nos fazem re(x)istir.

18) O que aconselha para quem quer chegar a ser um bom escritor? Quais são as características de um bom escritor?

R: Quanto a isto, passei a minha vida repetindo as lições da Carta a um jovem Poeta, de Rilke. Principalmente, só escrever se for uma necessidade. Não escrever pela fama ou pelo dinheiro, que quase nunca vêm. Na minha opinião, para escrever bem três coisas são fundamentais: primeiro, conhecer os grandes autores que vieram antes de nós, ler muito, se apropriar da herança literária que nos foi legada, para não sair por aí “reinventando a roda” ou realizando “plágios não intencionais”. Segundo, dominar o idioma, até mesmo parar saber “errá-lo bem”, como diria Manoel de Barros, que ao lado de Guimarães Rosa são os gênios da reinvenção da linguagem. Ser um bom escritor é saber escrever corretamente, em primeiro lugar. Usar de uma licença poética não é cometer erros gramaticais à vontade. Terceiro, ter criatividade. A literatura requer a inovação, não a repetição. É preciso ir além, cruzar os infinitos limites da produção literária.

19) Cite escritores que foram importantes na sua trajetória literária.

Na prosa, Machado de Assis, Gabriel García Marquez, José Saramago e Guimarães Rosa. Na poesia, Castro Alves, Fernando Pessoa, João Cabral de Melo Neto e Manoel de Barros; no Teatro, Shakespeare e Nelson Rodrigues, na Ficção Científica, Isaac Asimov.

20) Cite um poetrix e/ou um poema seu dentre os preferidos.

A$$ALARIADO

vende vida inteira
pelo pão de cada dia
a liberdade bóia, fria

21) Finalmente, existe algo mais que queira acrescentar nessa entrevista?

R: Quero acrescentar que assim como a língua não é algo encerrado em si mesmo, é vibrante, pulsante e que se renova a cada ano, transformando até o sentido de certas palavras, assim é a literatura. A renovação é algo intrínseco à Vida, ao Existir. Nascer, crescer, morrer, renascer. “Tem que morrer para germinar”. “Do quantum ao quasar”, como diria Gilberto Gil. Não devemos nos engessar no “assim foi e sempre será”. O poetrix é poesia de vanguarda. Não pode virar retaguarda.

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Entrevista exclusiva para o Blog da AIP
Diretoria de Comunicação Dirce Carneiro
Outubro/2022

 

10 comentários:

Angela Bretas disse...

“O poetrix é poesia de vanguarda, não pode virar retaguarda.” (GG) Parabéns por nos presentear com sua trajetória literária e por ser o propulsor deste pequeno gigante da nova literatura .
Abs de admiração 😘

Dirce Carneiro disse...

Goulart Gomes, como poeta já o conhecia. Nesta entrevista o poeta se desnudou um pouquinho mais, mostrando sua alma, seu pensamento e o quanto é, também, um bom prosador. Gosto da sua escrita e pessoalmente, admiro seu jeito de se comunicar, capaz de hipnotizar plateias. Axé!

Antônio Carlos Menezes disse...

Parabéns, mestre Goulart Gomes pela brilhante entrevista. Os seus ensinamentos em relação ao poetrix são bastante interessantes e necessárias para o entendimento profundo sobre esse novo gênero literária.

Anônimo disse...

Sempre é muito bom saber mais de você, amigo Goulart Gomes. Você nos presenteia com uma bela entrevista. Abraços! Regina Lyea

Lorenzo Ferrari disse...

Caminho é longo Goulart. Sorte de estar ai quando tudo começou. Eu digo que metade do meu coração é baiano também. Parabéns pela entrevista

Pedro Cardoso disse...

Grande Goulart, que prazer ler sua entrevista. Fico feliz em poder conhecer um pouco mais de você. Um grande abraço e parabéns por mais esta importante entrevista.

Marilda Confortin disse...

Goulart não é só Poetrix. É um LinguaJá numismático que fala com Todo Tipo de Gente. Quando o bicho pega, busco seus Conselhos. Pai é pra essas coisas. Às vezes até pra me dizer que não era bem aquilo que ele queria dizer. É sempre bom lê-lo e tê-lo por perto, GG. Abraços.

Francisco José disse...

"Você já foi à Bahia, nega?
Não?
Então vá!
Lá tem vatapá
Então vá!
Lá tem caruru
Então vá!
Lá tem mungunzá
Então vá!
Se quiser sambar
Então vá!"
Lá tem Arte_Goulart
Então vá!!

HAT TRICK
Três gols olímpicos
Gula de escrever arte
G(u)ol_art pô é trix!

Parabéns, GG, pela oportunidade por merecer esta oferenda de conhecê-lo melhor.

Anônimo disse...

Goulart Gomes é algo assim, como direi? Mágico? Midas? Medos? Conhecer GG é como abrir a caixa de Pandora. E sai de baixo! Gostei muito da entrevista, parece que o estava escutando! Parabéns! E, como disse Marilda, é muito bom tê-lo por perto! Beijocas, Imperatrix

José de Castro disse...

Gostei das respostas. A última questão, da renovação perene da literatura é algo significativo e que deve sempre ser observado por todos nós. Parabéns, mestre Goulart...