13 de jun. de 2022

Entrevista Saulo Pessato

ENTREVISTA AIP

Entrevistado: Acadêmico Saulo Pessato
Cadeira 22 - Patrono: Augusto dos Anjos


Neste mês a AIP apresenta entrevista com o professor, escritor, poeta, incentivador cultural, criador de jogos educacionais digitais, poetrixta Saulo Pessato.
Sua biografia completa pode ser lida no menu biografias, do Blog da Academia.
Primeiramente, quero agradecer ao acadêmico por ter aceitado dar esta entrevista, exclusiva, para o Blog da Academia Internacional Poetrix – AIP.  Agradeço também em nome da Diretoria.

1) Você nasceu em Brasília. A falta de mar na cidade favorece maior imersão nas Artes?

Geralmente não é o oposto? Não dizem que o mar favorece imersão? Então, sua ausência deveria prejudicar, não favorecer, certo? De qualquer forma, para mim é difícil precisar. Saí da cidade muito criança, com apenas 9 anos, e o que havia de artista em mim, se havia, estava ainda muito incipiente. Além disso, nunca vivi em cidades litorâneas. O mar nunca foi um ambiente obrigatório para inspiração. Quem sabe um dia descubra?

2) Como a sua formação acadêmica se conecta com a Literatura que você produz?

Acredito que a ligação com tantos autores clássicos e o inevitável estudo da gramática de nossa língua estimule não apenas certo senso crítico no processo criativo, mas também amplie o leque de mestres e inspirações. Não creio que seja um atributo exclusivo de profissionais de Letras nem que todos dessa área estão sujeitos às mesmas virtudes. Entretanto, a predisposição à escrita e certo talento com as palavras podem ser muito beneficiados por uma formação como essa.

3) Você tem uma trajetória, uma história de atuação em vários segmentos culturais. O que pode nos dizer sobre isto? Como se encaminhou para estas diferentes áreas, com o ofício de escrever?

Parte das oportunidades de experimentação literária teve seu estopim acendido dentro das escolas, por exemplo ao participar de projetos que envolviam teatro. Foi assim que escrevi duas peças infanto-juvenis e rabisquei um musical ainda não concluído. Também dentro do colégio, conheci um professor que encabeçou um ambicioso projeto do qual participei, que unia roteiros de jogos e material didático. Os demais segmentos surgiram a partir de atividades nas redes sociais. Nela envolve-se a publicação de todos os meus livros e minha participação em dois projetos culturais relacionados a programas infantis, mas que ainda estão no papel.

4) Fale-nos da sua atuação nas redes sociais, onde você tem muitos seguidores. Existe algum objetivo, como educador, escritor, nessa atividade, além do entretenimento?

Vejo as redes sociais como uma ferramenta importante e ao mesmo tempo ambigume para a divulgação de um trabalho: por um lado elas permitem que qualquer artista aproxime sua atividade de um público; por outro, estimula, através da cultura do like a qualquer preço, uma inundação de “famosos” sem grandes conteúdos, o que torna bastante difícil para o público consumidor o “garimpo” de bons trabalhos. Além disso, a dinâmica das redes sociais muda constantemente, obrigando o criador de conteúdo a malabarismos maçantes para manter o alcance e isso enche muito o saco. Atualmente, uso-as apenas para agradar ao público que fielmente me acompanha sem tanta preocupação com objetivos de entretenimentos extravagantes.

5) Que livros você já escreveu e em que gêneros? Qual a matéria dos seus livros? Fale-nos sobre eles. Tem um modo especial para vender suas obras?

Escrevi quatro livros como autor e participei de duas antologias como coautor. No jardim das borboletas foi o primeiro deles, publicado no susto, de forma independente em 2016. É um livro de poesias lírico-amorosas, dividido na sua estrutura em três períodos distintos: em Manhã, encontram-se os poemas de lirismo pueril, impetuoso, apaixonado, subjetivo e recíproco; em Tarde, poemas de teor reflexivo-filosófico com abordagens mais analíticas acerca do amor e do amar; em Noite, organizam-se os poemas que tematizam o sofrimento amoroso e as adversidades do amor. Por ser um livro independente — e o primeiro, protagonizo suas vendas, seu envio, sua distribuição. Os demais foram lançados pelo intermédio de editoras, com quem prefiro deixar para realizar a parte operacional. Verso entre virilhas foi lançado em seguida, em 2017 pela Editora Laranja Original (segunda edição agora em 2021 pela Editora Crivo), é um livro de poesias eróticas, tema escolhido por votação em minhas redes sociais.  Com estruturas e ritmos conhecidos da literatura
tradicional combinados a novas possibilidades estilísticas, também apresenta uma divisão em sua composição a partir das partes de uma relação sexual: CORPO – PRELIMINARES – SEXO ORAL – HUMOR – A CÓPULA; e é um livro para quem gosta de poesia, para quem gosta de sexo e para quem gosta de tudo ao mesmo tempo. Diálogos de olhos veio em seguida em 2019, primeiro no gênero crônica. O livro propõe percepções sobre experiências do passado, predominantemente, como se abrisse um baú de recordações desde a infância, onde reexperimento as difíceis relações interpessoais permeadas pelo bullying e as emoções e inseguranças decorrentes dele, até vivências cotidianas adultas, reais ou fictícias, sempre filtradas pelo olhar de poeta. Laranja com papaia (Editora Crivo) foi um filho da pandemia, gerado para fazer parte da antologia Aglomerados (Editora Qualis). 
Como ultrapassou o tamanho recomendado para a coletânea com quinze outros autores, sobre as emoções do período de isolamento social, acabou publicado em um livreto independente. O conto narra um encontro proibido durante o breve período de confinamento: o narrador é um tatuador famoso que cede às investidas de uma mulher via Instagram e a recebe em sua casa para um encontro. O encontro é intenso, extremamente sexual e o tatuador tem a impressão de que a sedução é também emocional. Entretanto, na manhã seguinte ele descobre que ela não estava em isolamento como havia garantido. Apesar de envolvido, ele expulsa-a de casa e mergulha outra vez em isolamento, agora intensificado por distorções psicológicas que transitam entre a hipocondria e a paixão.

Dias mais tarde, ele decide procurá-la e descobre que os efeitos da pandemia (e do encontro) causaram profundas mudanças também nela... Por último veio a Antologia 7 de Poetrix, primeira publicação como membro da Academia Internacional Poetrix. [R]existir reúne 42 autores que, por intermédio da sua poesia, se propõem a contribuir poeticamente para a reinvenção e a resistência que nossos tempos e nossa existência demandam. 
[R]existir a tudo aquilo que nos afeta enquanto seres humanos; a todas as formas de opressão; a todas as formas de discriminação; à sistemática destruição do planeta, ao desmantelamento do sistema educacional, à intoxicação física e mental que nos agride, resistir a todos os vírus. 

6) Como escolhe os títulos das suas obras? Se fosse definir o seu estilo, na prosa e na poesia, o que diria?

Títulos são partes imprescindíveis do processo criativo. Em textos, muitas vezes é o último elemento e prezo para que sejam particularmente inteligentes. Em livros, prefiro títulos que permitam múltiplos sentidos, como acontece em Verso entre virilhas — em que verso pode ser lido como substantivo ou como verbo; ou que explorem belas sonoridades, como acontece em Diálogos de olhos — com seu par de sons diá/dió pluralizados. Não gosto muito de definir meu estilo, portanto se fosse fazê-lo, sintetizaria em versátil.

7) Como conheceu a poesia minimalista – o Poetrix? Desde quando escreve Poetrix?

Descobri o Poetrix em meados de 2011, pouco depois de experimentar os haicais. O minimalismo mesmo, conheço-o desde o início dos anos 2000, quando me aprofundei na obra dos modernistas da primeira geração.

8) O que acha do Movimento Minimalista? Qual o seu legado?

Considero o movimento minimalista uma consequência natural dos nossos tempos, da velocidade e da urgência do mundo contemporâneo. Já o seu legado acho difícil (e até imprudente) analisar. Arrisco dizer apenas que, como a crônica e outros gêneros frutos do mundo moderno, deve ganhar novas feições, novas formas, até que canse o leitor e a literatura clássica volte a ser objeto de inspiração da sociedade. Imagino que no futuro todos os gêneros coexistam, é só um palpite. Como dizia Saramago, é preciso sair da ilha para ver a ilha.

9) De onde vem sua inspiração para escrever? Como é seu processo criativo? Tem períodos em que não produz? Se sim, como reage?

Minha inspiração é quase sempre a linguagem. Acho pobre qualquer lirismo descompromissado com ela. Para mim, todo texto precisa explorá-la ao máximo, seja na busca por construções inovadoras, seja pela aproximação surpreendente de palavras — além de, claro, a criação de novas. Com relação aos hiatos criativos, lido bem com eles. Claro que toda insônia e falta de apetite, quando duradouras, preocupam. No mais, basta ter calma, ocupar-se de outras coisas, que elas vêm.

10) Como se sente sendo acadêmico da Academia Internacional Poetrix – AIP? Por que escolheu Augusto dos Anjos como seu patrono?

Como gênero original e plenamente brasileiro, é fundamental que o Poetrix seja 
representado e resguardado por uma instituição dessa magnitude e aceitei, com muita honra, o convite de Goulart Gomes para fazer parte dela. Escolhi Augusto do Anjos por sua capacidade de inovar um poema de estrutura clássica: o soneto. Vejo-o com grande inspiração, já que o Poetrix também tem feições de Haicai, mas somente bons poetas conseguem construí-lo de forma inovadora e plenamente distinta.

11) Como é sua interação nas atividades oficiais da Academia?

Procuro participar das atividades da academia e tenho forte predileção pela discussão e análise de textos de colegas e de poetas que participam de grupos administrados por acadêmicos. Recentemente, entretanto, voltei a administrar aulas de português em duas escolas, o que tem prejudicado minha assiduidade em eventos.

12) Qual é a sua opinião sobre as entrevistas que a AIP vem promovendo no seu Blog? Tem alguma sugestão a fazer?

Entrevistas são ferramentas muito positivas para a divulgação da Academia e dos acadêmicos. Vejo-as, portanto, com bons olhos poéticos, sem grandes sugestões para o momento.

13) Qual projeto você gostaria de implementar na AIP?

Uma revista de arte contemporânea protagonizada pela AIP viria bem a calhar, se pudesse ser posta em prática. Considerando a realidade por que estamos passando, é indispensável que artistas se posicionem para criticar e poetizar nosso tempo. Sempre imagino um magazine, quinzenal ou mensal, com participação de artistas de outras linguagens, como cartunistas, em nível nacional. Numa esfera mais modesta, uma área reservada para crítica oficial a textos de novos poetrixtas seria algo bem interessante. Também gosto da ideia de concursos de Poetrix.

13) Fale-nos sobre os projetos regionais dos quais você participa, como autor e roteirista.

No momento, estão todos parados por consequência da pandemia e do veto às leis de incentivo à cultura — como à Lei Aldir Blanc e à Lei Paulo Gustavo; o que contribuiu para o engavetamento de ideias, pois precisam de apoio financeiro. Quem sabe em outubro mudamos a mão que empunha a caneta para usá-la como ferramenta de escrita da arte e cultura, não como arma para assassiná-las.

14) Interage nas redes sociais com sua escrita, especialmente com Poetrix, em quais espaços, nas redes sociais? (whatsapp, facebook, site, blog).

Atualmente Facebook, Whatsapp e Instagram somente.

15) Qual sua opinião sobre os coletivos literários na internet? E os coletivos literários feministas, qual sua opinião sobre eles?

Indispensáveis! Como disse, as redes sociais têm um papel importante para a democratização da arte. Por meio delas, grupos marginalizados e injustiçados têm encontrado seu lugar de fala como nunca na história das literaturas.

16) Como você encara o papel da Arte na nossa vida, na sociedade, no Brasil e no mundo?

Arte sempre foi um instrumento de descrição, análise, crítica e, por consequência, modificação do tempo a que pertence.

17) O que aconselha para quem quer chegar a ser um bom escritor? Quais são as características de um bom escritor?

Escrever bem é efeito colateral de ler bem — e aqui não me refiro a ler muito. Ler bastante não serve nada se a leitura não for profunda e estudiosa da literatura. Além disso, um bom escritor precisa também saber ler o mundo ao seu redor: ler os detalhes, as entrelinhas, 
ler as emoções (positivas e negativas) das pessoas de seu tempo. Um bom escritor é aquele que sabe surpreender não apenas pela forma como escreve, mas pela forma como transforma o mundo que leu ao seu redor em literatura.

18) Cite autores que o influenciaram ou que você admira.

Como amante da Língua Portuguesa, acho importante incluir nessa lista o memorável Camões. Depois dele, ainda clássicos, gosto muito de Gregório de Matos e do também português Bocage. Saltando já para os modernos, gosto muito da poesia de Drummond, Mario Quintana, Paulo Leminski, Cecília, Vinícius e Millôr. Na prosa, aprecio Machado, Guimarães Rosa e Saramago.

19) Cite um poetrix e um poema seu dentre os preferidos.

Última tela

incêndio no ateliê
vapor de tinta o céu atinge
tinge o crepúsculo

20) Finalmente, existe algo mais que queira acrescentar nessa entrevista?

Nada a acrescentar

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Entrevista concedida com exclusividade para o Blog da AIP, através da Diretoria de Comunicação - Dirce Carneiro - junho de 2022.

11 comentários:

Andreza F Nascimento disse...

Um poeta, contista, cronista, poetrixista e tudo mais que se propõe a ser... Dei sorte de encontrar esse trabalho lindo nas redes sociais e de lá para cá não larguei mais. Sou fã!

Clécia Lisandra disse...

Tive a sorte que encontrar o trabalho desse magnífico no instagram e desde então virei fã. Muito dedicado e encantador, consegue tocar a nossa alma usando as palavras!

Dirce Carneiro disse...

Gratidão ao Acadêmico da Aip, pelo aceite da entrevista, colaboração e divulgação. Viva o Poetrix!

José de Castro disse...

Li e gostei demais.. Parabéns, Saulo.

Angela Bretas disse...

Grande Saulo! Parabéns pela trajetória , sou sua fã!

Jana Carvalho disse...

Adorei a entrevista. É muito bom poder conhecer um pouco mais sobre um dos meus autores favoritos. 😊

Marilda Confortin disse...

Ótima entrevista.. Dirce soube formular perguntas para que conhecêssemos um pouco mais sobre esse escritor talentoso. Parabéns aos dois.
Saulo é muito consistente tanto na prosa quanto no verso. Intenso. Gosto de sua capacidade argumentativa. E trabalha bem com todas as mídias desses tempos.
“Escrever bem é efeito colateral de ler bem — e aqui não me refiro a ler muito.” É isso aí, Saulo..A vida é curta para se ler tudo que está por aí. É preciso filtrar. Ter espírito de poetrixta, né? :)
Um privilégio tê-lo conosco na Academia Internacional Poetrix, amigo.

Francisco José disse...

Muito boa entrevista, Saulo. Conhecer melhor a trajetória de um escritor como você é importante para nós, também escritores e amantes da escrita. Parabéns!

Lílian Maial disse...

Adorei, Saulo e Dirce!
É sempre bom conhecer um pouquinho mais quem a gente gosta. Sou sua fã. Parabéns!

Boveto Sandra disse...

Parabéns pela visão, atuação e pela entrevista.

Andréa Abdala disse...

Sou fã!