14 de ago. de 2025

Entrevista de Valéria Pisauro

 ENTREVISTA DE ACADÊMICOS PARA O BLOG  AIP 




VALÉRIA PISAURO 

Cadeira 20, Patrono Anthero Monteiro 

 

Entrevista a Dirce Carneiro 

 

  1. Qual é sua formação acadêmica e como ela influencia na sua escrita? 


Sou graduada em Letras e Teoria Literária pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) e em História da Arte pelo Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM-SP). Aperfeiçoei minha formação por meio de cursos de pós-graduação e programas de extensão nas áreas de Ciências Sociais “Brasil/Brasis: Literatura e Pluralidade Cultural”, “Literatura Social e Política” e “Cinema – Arte de Transformação”, promovidos pela UNICAMP, em parceria com o Itaú Cultural.  

Essa trajetória acadêmica, marcada pelo diálogo entre palavra, imagem e pensamento crítico, sustenta minha escrita com densidade estética e engajamento sociopolítico 

 

2) Onde você nasceu, passou a infância, juventude? O que guarda desse tempo e lugar/lugares? 


Nasci e cresci na Vila Industrial, em Campinas, São Paulo - um bairro plantado às margens da linha férrea, onde o apito do trem atravessa o tempo e ainda ecoa na memória. 

A cidade sempre foi dividida por trilhos de ferro — uma muralha simbólica que apartava mundos. À direita, a elite campineira; à esquerda, tudo o que se queria esconder dos olhos era empurrado para trás da Estação Ferroviária. 

A Vila Industrial era as costas da cidade, habitada pelos invisíveis: operários, imigrantes, famílias que a cidade varria para trás da Estação como quem esconde o que não quer encarar. 

Sou neta de um maquinista e cresci próxima à ferrovia, acompanhando diariamente o movimento dos trens e absorvendo, desde a infância, as marcas culturais desse território. 

Minha identidade é inseparável da Vila. Reconheço-me em cada esquina — não como quem observa de fora, mas como quem pertence, como quem sente. Carrego comigo uma herança cultural que articula passado e presente com afetividade e resistência. 

 

3) Você tem uma trajetória, uma história de atuação em várias áreas. O que pode nos dizer sobre isto? Qual o papel da Literatura, o ofício de escrever, nesses diferentes contextos?

 

Minha produção literária se inscreve no entrecruzamento de linguagens híbridas, onde a palavra é matéria viva em constante transmutação. Poeta, contista, romancista, letrista, compositora e roteirista, movo-me por um olhar inquieto, investigativo e provocador, sempre em busca de novos sentidos. 

A formação sólida em Letras e Teoria Literária alicerça um repertório crítico e estético que orienta minhas escolhas de linguagem, estrutura e estilo. 

Ao mesmo tempo, os estudos em História da Arte expandem meu campo sensível, aprimorando a tessitura imagética, sensorial e metafórica da escrita. 

Por sua vez, as incursões no Cinema e na Literatura Social adensam a dimensão sociopolítica do meu fazer literário, conectando o gesto artístico ao contexto histórico, à memória coletiva e às urgências do presente, favorecendo uma escrita engajada, plural e transformadora. 

Nesse trânsito por palavras, formas e territórios, minha criação literária se configura como espaço de insurgência e reconstrução simbólica — onde o gesto de escrever é também um ato político, de resistência e de beleza. 

 

4) O que acha do Movimento Minimalista? Qual o seu legado? Como conheceu o Poetrix? Desde quando escreve Poetrix? 


Como estudante e professora de Literatura e História da Arte, tive contato, ao longo da minha formação acadêmica, com as tendências do Movimento Minimalista, sobretudo por meio de poetas brasileiros como Paulo Leminski, Alice Ruiz e os concretistas Augusto e Haroldo de Campos, além de Décio Pignatari. A concisão aforística de Leminski, o lirismo contido de Alice e a ousadia gráfica dos poetas concretos delinearam meu olhar para a síntese poética que viria a encontrar, anos depois, no Poetrix. 

O Poetrix surgiu em minha vida em 2018, por meio do edital do VII Concurso Internacional Poetrix, promovido pelo MIP – Movimento Internacional Poetrix. Inscrevi-me e fui premiada com o quarto lugar. Desde então, o Poetrix me acompanha diariamente — não apenas como exercício literário, mas como linguagem estética, modo de ver e sentir o mundo. 

Escrever Poetrix é fazer da síntese um gesto de resistência lírica. 


5) De onde vem sua inspiração para escrever? Como é seu processo criativo? Tem períodos em que não produz? Se sim, como reage? Tem um ritual para escrever? 


Minha inspiração vem da vida, da sobrevivência, do existir, das particularidades de ser e estar 

Escrevo porque não tenho escolha. Escrevo para me tornar mais íntima de mim mesma, para me descobrir, preservar-me, construir-me. 

Finalmente, escrevo porque tenho medo de escrever — mas tenho um medo ainda maior de não escrever. 

Minha escrita me salva de tudo o que me amedronta. 

Às vezes, tenho a impressão de que escrevo por uma simples e intensa curiosidade. É que, ao escrever, dou a mim mesma as mais inesperadas surpresas. É no ato da escrita que, muitas vezes, tomo consciência de coisas que, inconscientemente, eu já sabia — mas não sabia que sabia. 

Nas histórias que escrevo, qualquer semelhança com a realidade não é mera coincidência. Inspiro-me em mulheres reais, em vivências que me cercam e no que observo. A linha entre a realidade e a ficção, às vezes, se mistura. Mas também escrevo sobre lugares que nunca visitei, sobre amores que não vivi. 

Tenho um arquivo ativo no computador que chamo de “depósito de restos”. Trata-se de um material bruto, que deixo repousar. São versos avulsos, alguma personagem marcante, sentimentos que, com frequência, não encontram lugar, observações do mundo, algo que me dá prazer ou desprazer — não descarto nada. Sou uma acumuladora de palavras. Retiro muitos dos meus poemas dali.  

Às vezes, há um poema que já vem pronto; contudo, há outros que exigem tempo, trabalho e muito suor. 

 

6) Em quais gêneros literários você já publicou? Gostaria de falar sobre uma obra específica sua já publicada? 


Participo de idôneas antologias de contos, crônicas, microcontos, poesias, haicais e poetrix. 

Em 2022, fui contemplada, por meio do ProAC-SP, com o projeto de publicação e lançamento do livro solo “Entre Linhas e Cordas”, obra composta por cento e vinte poesias musicadas por renomados compositores de diversas regiões do país. Cada verso é um passo, e cada som, um respiro. Como o próprio título sugere, um dos principais méritos da realização desse projeto é o estímulo à interdisciplinaridade entre a literatura (poesia/linhas) e a música (letra/cordas). 

Ainda em 2022, também por meio do ProAC-SP, gravei e lancei o álbum “Travessia entre Cordas & Rimas”, composto por quinze faixas autorais, em parceria com renomados compositores brasileiros, com obras premiadas em diversos festivais de música do país. 

O álbum convida o ouvinte a uma travessia musical, mesclando diferentes sonoridades, entrelaçando ritmos de diversas culturas e destacando as raízes e influências da brasilidade contemporânea, promovendo um resgate musical manifestado em gêneros e estilos variados. 

Em 2024, recebi o Prêmio de Incentivo e Reconhecimento Cultural – edital Lei Paulo Gustavo (Campinas-SP). 

Além disso, minhas poesias foram musicadas pelo compositor Gui Silveiras, com arranjos sofisticados do grupo Brazú Quintê, resultando no álbum “Valerianas”. 

Em 2025, preparo meu novo álbum: “Antropomorfose Brasileira”, selecionado pelo FICC – Fundo de Investimentos Culturais de Campinas. 

 

7) Qual sua opinião sobre os coletivos literários na internet? E sobre os coletivos femininos? 

 

Em tempos de conexões digitais, os coletivos literários virtuais vêm se consolidando como espaços potentes de criação, trocas e crescimento. Participo de diversos desses grupos e reconheço neles uma experiência profundamente enriquecedora, que vai além da escrita: promove um senso de pertencimento e alimenta um processo contínuo de aperfeiçoamento individual e coletivo. 

Ao privilegiar tanto a fala crítica quanto a escuta sensível, esses espaços favorecem a construção de um ambiente de aprendizagem recíproca, no qual o compartilhamento de experiências, leituras e reflexões transforma-se em prática constante. A convivência com outros membros possibilita o contato com múltiplos estilos, gêneros e autores, ampliando os horizontes criativos e expandindo o repertório literário de cada participante, além de fomentar iniciativas mais amplas, como a organização de eventos, a publicação de antologias e a criação de plataformas digitais voltadas à difusão da literatura contemporânea. 

Nos coletivos femininos, além do intercâmbio cotidiano, compartilham-se não apenas técnicas, mas também afetos, dúvidas, descobertas e caminhos. A escuta e a escrita em comunidade têm potência transformadora, construindo passos possíveis para uma existência sem medo. 

A pauta prioritária dos coletivos femininos é dar visibilidade a essas vozes, oferecendo oportunidades para que escrevam suas falas, suas subjetividades e a multiculturalidade de suas histórias. 

O diferencial desse coletivo é que não se restringe a “mulheres que leem mulheres”, mas sim a “mulheres que lançam mulheres, divulgam mulheres” — isso é coletivo! 


8) Que acha do uso da inteligência artificial? E seu emprego na Literatura, nas Artes e em outras Áreas?  


A presença da Inteligência Artificial na cultura já é uma realidade. No entanto, ela não é tão artificial nem tão inteligente. Afinal, é criada a partir de insumos e comandos humanos, portanto, não se trata de algo verdadeiramente artificial. Tampouco é inteligente, pois não possui consciência ou iniciativa própria. Ou seja, a IA não cria a partir do vazio: ela se desenvolve a partir da cultura existente. Além disso, a literatura não se constrói com cópias - ela se sustenta na diferença, na ousadia e na liberdade de cada verso. 

As aplicações da IA no campo da literatura impactam desde o processo criativo individual até as dinâmicas do mercado editorial e a experiência do público leitor, além de suscitar debates sobre a definição de originalidade e o valor do trabalho humano. 

Com apelo sedutor para uma tarefa complexa e trabalhosa, o uso de ferramentas, plataformas e soluções de Inteligência Artificial Generativa para a escrita é certamente o ponto mais complexo, polêmico e aberto a debates. 

É preciso reivindicar que seu desenvolvimento ocorra de forma responsável, com transparência, ética e regulamentação. 

 

9) Por que escolheu o seu patrono? 


Ao assumir a Cadeira nº 20 da Academia Internacional Poetrix, sucedendo o acadêmico Ricardo Mainieri, reconheço que não fui eu quem escolheu o patrono: fui escolhida. 

Tenho a honra e a imensa responsabilidade de ter como patrono o professor e poeta Anthero Monteiro, um dos Membros Fundadores desta Academia, empossado em 5 de julho de 2020, na Cadeira 5. 

Seu falecimento, em 5 de abril de 2022, não apagou sua presença entre nós; ao contrário, conferiu-lhe um novo lugar, simbólico e eterno, no coração desta academia. 

Pelo legado que deixou, foi elevado, com justiça e reverência, da condição de acadêmico à de patrono - uma homenagem mais do que merecida, que reconhece a excelência de sua poesia e sua trajetória exemplar como educador e artista da palavra. 

É, portanto, com profundo respeito e senso de responsabilidade que assumo esta cadeira, comprometida com a valorização da literatura e com a preservação da memória de meu patrono. 

 

10) Como é sua interação nas atividades oficiais da Academia? 


Sou atenta e participante ativa nos espaços de interação da AIP, interagindo e acompanhando de forma constante os conteúdos publicados no blog e no Instagram. 

Ao me tornar acadêmica e conhecer o Regimento da AIP, compreendi a relevância dos direitos e deveres que nos unem como coletivo. 

Acredito que a participação dos membros não apenas fortalece o Poetrix como expressão poética, mas também valoriza a missão institucional da AIP. Cada gesto de engajamento, seja por meio das redes, da produção textual ou da escuta atenta, contribui para a consolidação de um espaço democrático, criativo e colaborativo.

 

11) Qual é a sua opinião sobre as entrevistas que a AIP vem promovendo no seu Blog? Tem alguma sugestão a fazer? 


As entrevistas configuram-se como instrumentos de notável relevância no âmbito acadêmico, na medida em que propiciam uma compreensão mais aprofundada acerca das trajetórias pessoais, intelectuais e profissionais dos acadêmicos entrevistados. 

Para além da exposição de aspectos biográficos, tais entrevistas promovem o compartilhamento de experiências, posicionamentos teórico-metodológicos e percepções que incidem de maneira significativa no enriquecimento coletivo, na consolidação de um ambiente de aprendizagem mais humanizado e no fortalecimento do pensamento crítico no meio acadêmico. 

 

12) Qual projeto você gostaria de implementar na AIP? 


Meu desejo é registrar formalmente a AIP em órgão competente. Dessa forma, a AIP – Academia Internacional Poetrix passará a ter personalidade jurídica, o que lhe conferirá autonomia para firmar convênios, captar recursos, organizar eventos e representar seus membros de maneira legítima e legalizada. Tal reconhecimento não é apenas burocrático, mas também simbólico: estabelece a AIP como um espaço de legitimidade no cenário cultural e literário, garantindo segurança jurídica às suas ações e projetos. 

Além disso, o registro proporciona maior transparência e organização administrativa, contribuindo para a credibilidade pública da instituição. Fortalece a imagem da academia perante órgãos governamentais, editoras, centros culturais e demais parceiros estratégicos. Essa formalização também protege o nome da academia, assegura seus direitos e institui regras claras de funcionamento, participação e sucessão. 

 

13) Especificamente sobre a Antologia Poetrix, gostaria de falar alguma coisa? 


A Antologia Poetrix revela-se de singular importância no cenário literário contemporâneo, ao contemplar a urgência da difusão desse subgênero poético, que alia síntese e experimentalismo inovador. 

Ao reunir poetrixtas de diferentes geografias, a obra amplia horizontes e confirma a potência do Poetrix como veículo expressivo — não apenas como espaço de divulgação, mas como território fértil para a investigação estética e o exercício da criatividade. 

Mais do que uma vitrine literária, a antologia torna-se um instrumento de formação e inspiração, incentivando a leitura e a escrita entre futuros autores. 

A Antologia Poetrix, assim, configura-se como um ato de reconhecimento e resistência estética. 














AIP, agosto de 2025 

Dirce Carneiro 

Diretora/tesoureira 

 

6 comentários:

Dirce Carneiro disse...

Conhecer melhor os nossos, ter depoimentos, oportunidades de aprender. Assim são entrevistas e a de Valéria é muito rica. Parabéns.

Anônimo disse...

Valeria,

a entrevista com Dirce Carneiro é como uma janela aberta num dia em que o vento traz cheiros antigos. Vocês conseguem tecer, com delicadeza, vida e obra, experiência vivida e projeto literário, num só fio que não se rompe.

A inspiração da mulher de Campinas não é visita marcada é maré. Vem de lembranças que ardem, de silêncios que inquietam, de um rosto perdido na multidão, de cicatrizes que ainda sussurram.

Grato pelo seu compromisso com o Poetrix.

Escrevemos para que o que nos habita encontre, no papel, um lar que não desmorone. E você, Valeria, ajuda a erguer esse lar onde os Poetrixtas repousam e florescem.

Dirce Carneiro disse...

Comentário eloquente e poético do nosso querido poeta Ximo Dolz. Gratidão imensa.

Luciene Avanzini disse...

Belíssima e rica entrevista, parabéns Dirce e Valéria!

Anônimo disse...

Muito grata Luciene. Bom que gostou e comentou.

Marília Tavernard disse...

Adorei a entrevista Valéria. Conhecer mais um pouco da tua trajetória e de tuas memórias é muito inspirador