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Mario Quintana - foto: Dulce Helfer |
VIDA E OBRA
Mario Quintana, sem acento no nome nem na ABL, nasceu prematuramente em
Alegrete, RS, cidade que em 1968 homenageou-o com uma placa de bronze na praça.
Por achar que poderia ser um equívoco, ele próprio ou qualquer outra pessoa,
querer eternizar um poema seu, convenceu as autoridades a gravarem na placa
apenas uma frase irônica de sua autoria: “Um engano em bronze é um engano
eterno”
Terceiro filho do farmacêutico Celso de Oliveira Quintana e de Virgínia
de Miranda Quintana e neto de médicos. O pai lia poemas em voz alta nos serões
e a mãe, educada no Uruguai, também, mas preferia poemas em língua espanhola.
Quintana aprendeu a ler aos seis anos de idade, soletrando as manchetes do Correio do Povo, jornal onde futuramente seria contratado como colunista da página de Cultura. E já na tenra idade, teve noções de francês e espanhol.
A LUTAQuando eu era pequenino
Atirava rimas ao poema como ossos a um cãozinho…
Eu cresci. Ele cresceu.
Agora… Quem é ele e quem sou eu, que não mais nos conhecemos?
Quando, agora, a sós ficamos, nous hurlons de nous trouver ensemble:
Quase que nos devoramos…
Mas vem a aurora apagadora de lampiões
E vem, pé ante pé, a hora burguesa e triste do café
(Pelas encostas do tempo soluçam rimas de outrora…)
E fica tudo para o próximo
Round!
Na adolescência, Quintana vai morar em Porto Alegre e é matriculado no
Colégio Militar, cuja qualidade de ensino, lá pelos idos de 1920, era
considerada a mais exigente e refinada. Mas, o futuro poeta só se interessava
por português, história e francês e, por isso, foi reprovado nas demais
disciplinas.
O Adolescente
A vida é tão bela que chega a dar medo,
Não o medo que paralisa e gela, estátua súbita, mas
esse medo fascinante e fremente de curiosidade
que faz o jovem felino seguir para a frente farejando o vento
ao sair, a primeira vez, da gruta.
Medo que ofusca: luz!
Cumplicemente, as folhas contam-te um segredo
velho como o mundo:
Adolescente, olha! A vida é nova…
A vida é nova e anda nua
— vestida apenas com o teu desejo!
(Mario Quintana, Apontamentos de história sobrenatural)
Quintana começou a trabalhar aos dezoito anos, na Livraria Globo, como
desempacotador de livros estrangeiros. Trabalhou em vários jornais e revistas,
como O Estado do Rio Grande, Diário de Notícias, Revista do Globo, Correio do
Povo, Editora Globo, além de ajudar como “prático” na farmácia do seu pai
quando necessário.
Adulto, foi um boêmio muito sociável e bem-humorado. Quintana nunca se
casou, não teve filhos, viveu em pensões e hotéis, trabalhando como jornalista
e tradutor enquanto escrevia seus próprios livros.
“A minha escola poética? Não frequento nenhuma. Fui sempre um gazeador
de todas as escolas. Desde assinzinho... Tão bom!” - Quintana
É muito difícil enquadrar Mario Quintana em alguma escola ou movimento.
Sua obra é marcada por uma linguagem coloquial, irônica, cheia de humor e
atemporal, que dialoga com os leitores de todas as idades e níveis culturais. Sua
poesia não carece de explicação. Até quem não é poeta entende.
“Uma certa ironia doce, que não se importa com a dupla solenidade dos parnasianos e dos modernistas radicais, que só se preocupa com a leveza, com a distração, com o olhar aberto e desatento que é o dos poetas sem escola e sem doutrina; que se deixa levar pela própria graça e pela pureza da percepção, que se descobre nos milagres das imagens simples, nunca vulgar e sempre fácil, realiza-se na magia de Quintana.” (Marcelo Coelho - Folha de SP)
Por essa fluidez e por se recusar a produzir poesia explicitamente engajada,
alguns críticos da época, consideraram, erroneamente, sua obra sem muito valor
literário. Mas, aqueles que se aprofundaram descobriram a grandeza e a
genialidade desse escritor. É por isso também, que especialmente a partir de
2006, ano em que o poeta completaria um século de vida, houve um aumento na
fortuna crítica do poeta, com a produção de inúmeras dissertações e teses nas
diversas áreas do conhecimento.
Por
décadas, Mario Quintana publicou no jornal "Correio do Povo", de
Porto Alegre, o seu "Caderno H" (H, de Hora H, de em cima da hora,
dizia Quintana rindo). As publicações eram recheadas de frases, poemas de
humor, ironia e sabedoria. Da crônica à poesia, passando por todo tipo de
aforismos, que atualmente povoam as redes sociais. Muitos desses cadernos foram
posteriormente reunidos no livro Caderno H. “Cantares
insólitos e singulares…Cantares? Não! Quintanares!”, disse Manuel Bandeira.
“A crítica literária brasileira – às vezes
estranha ao próprio conceito de crítica – jamais se ocupou como devia desse
imenso poeta que é Mário Quintana. E não só a crítica assim se comportou, pois
também a Academia Brasileira de Letras lhe rejeitou por três vezes a admissão,
uma admissão que não seria favor algum, mas apenas um ato de meridiana justiça
e mínimo reconhecimento” (Ivan Junqueira)
Poeminha do contra
Como disse Junqueira, presidente da ABL 2004/2005, Quintana se
candidatou por três vezes uma vaga à ABL, mas em nenhuma das ocasiões foi
eleito; as razões eleitorais, burocracias e políticas da instituição não lhe
permitiram alcançar os vinte votos necessários para ter direito a uma cadeira.
Ao ser convidado a candidatar-se uma quarta vez, mesmo tendo a promessa de
unanimidade em torno de seu nome, o poeta recusou. “Ainda vou ter a minha
imortalidadezinha”, disse ele à sobrinha, Helena, a quem confiou os papéis que
hoje compõem seu arquivo no antigo Hotel Majestic onde morou, posteriormente
tombado pelo patrimônio e transformado em Casa de Cultura Mario Quintana.
Respira, tu que estás numa cela abafada, esse ar que entra por ela.
Por isso é que os poemas têm ritmo - para que possas profundamente respirar.
Quem faz um poema salva um afogado. (Quintana, Apontamentos de história sobrenatural)
OBRA POÉTICA:
A Rua dos Cataventos - Porto Alegre, Editora do Globo, 1940
Canções
- Porto Alegre, Editora do Globo, 1946
Sapato
Florido - Porto Alegre, Editora do Globo, 1948
O
Aprendiz de Feiticeiro - Porto Alegre, Editora Fronteira, 1950
Espelho
Mágico - Porto Alegre, Editora do Globo, 1951
Inéditos
e Esparsos - Alegrete, Cadernos do Extremo Sul, 1953
Poesias
- Porto Alegre, Editora do Globo, 1962
Caderno
H - Porto Alegre, Editora do Globo, 1973
Apontamentos
de História Sobrenatural - Porto Alegre, Editora do Globo / Instituto Estadual
do
Livro,
1976
Quintanares-
Porto Alegre, Editora do Globo, 1976
A
Vaca e o Hipogrifo - Porto Alegre, Garatuja, 1977
Esconderijos
do Tempo - Porto Alegre, L&PM, 1980
Baú
de Espantos - Porto Alegre - Editora do Globo, 1986
Preparativos
de Viagem - Rio de Janeiro - Editora Globo, 1987
Da
Preguiça como Método de Trabalho - Rio de Janeiro, Editora Globo, 1987
Porta
Giratória - São Paulo, Editora Globo, 1988
A
Cor do Invisível - São Paulo, Editora Globo, 1989
Velório
Sem Defunto - Porto Alegre, Mercado Aberto, 1990
Água
- Porto Alegre, Artes e Ofícios, 2001
Eu
Passarinho - São Paulo, Para gostar de ler 41, Editora Ática, 2006 (Antologia
póstuma)
O
Batalhão das Letras - Porto Alegre, Editora do Globo, 1948
Pé
de Pilão - Petrópolis, Editora Vozes, 1968
Lili
inventa o Mundo - Porto Alegre, Mercado Aberto, 1983
Nariz
de Vidro - São Paulo, Editora Moderna, 1984
O
Sapo Amarelo - Porto Alegre, Mercado Aberto, 1984
Sapato
Furado - São Paulo, FTD Editora, 1994
Quintana foi um tradutor profícuo: Estima-se que tenha traduzido mais de
130 obras, entre elas estão livros de Maupassant, Proust, Charles Morgan,
Voltaire e Virgínia Woolf. O número exato de traduções é controverso, pois além
de usar pseudônimos, ele também traduzia incontáveis poemas, contos e
histórias, sem que seu nome constasse nas publicações - prática comum no mundo
editorial da época. Em entrevistas,
disse que nem mesmo ele se lembrava de quantos livros tinha traduzido.
“Estou gostando tanto de traduzir o Proust
que, se eu tivesse dinheiro, eu é que pagava para vocês”. (comentário de
Quintana para Érico Veríssimo, diretor de traduções da Editora Globo)
Em depoimento ao jornalista e amigo Araken
Távora, Quintana disse: [...] “eu traduzia porque gostava daqueles livros. E
quanto mais difícil o livro, mais eu gostava. Por isso, entre todos os autores
que traduzi, o que me deu mais satisfação foi Virgínia Woolf. Mesmo porque o
páreo era duro: antes de mim, quem havia traduzido a Virgínia no Brasil era
nada menos do que Cecília Meireles. Eu tinha que ser digno da minha amizade e
admiração pela Cecília”.
Quintana recebeu numerosas homenagens, distinções e prêmios em sua vida.
Destaque para:
Prêmio
Fernando Chinaglia de melhor livro do ano por sua Antologia Poética; título de Cidadão Honorário de Porto Alegre;
Medalha Negrinho do Pastoreio - Condecoração do Governo do Rio Grande do Sul;
Prêmio Machado de Assis, da Academia Brasileira de Letras, pelo conjunto da
obra; Título de Doutor Honoris Causa, concedidos pela Universidade Federal do
Rio Grande do Sul, Unicamp e Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Será
que Quintana seria um poetrixta se vivesse atualmente?
ELEGIA URBANA
Rádios. TVsGooooooooooool!
O domingo é um cachorro escondido debaixo da cama
(Quintana, Caderno H)
E sobre síntese, que tal essas frases do poeta:
"Exatamente por execrar a chatice, a longuidão, é que eu adoro a síntese[...]"
“Cortar, cortar sempre, meu único processo. E qualquer dia destes publico mais uma edição de minhas obras com a seguinte indicação: NOVA EDIÇÃO, CORRETA E DIMINUÍDA”.
Referências
PUCRS - vários autores: Biblioteca Digital de Teses e Dissertações.
Casa de Cultura Mario Quintana
VÍDEO: Encontro marcado com Mario Quintana documentário Educativa nos anos 90
Livros físicos e e-books: Caderno H; Antologia Poética; O aprendiz de feiticeiro, Esconderijos do tempo.
12 comentários:
Sou uma grande admiradora dos dois, Mario e Marilda! Não poderia ser uma dupla diferente, casamento perfeito. O que é Mario Quintana?! ... Passaria a eternidade ouvindo seus poemas e sua história.
E eu lendo os poemas da Marilda e suas história....Grandes poetas....E viva a poesia!!!
Esses poetas que tocam o coração do povo leitor...do que precisam mais? Esta é a imortalidade que importa. E Marilda? Que bela construção biográfica, linha do tempo marcada por um poema de época do patrono.
Parabéns.
Ah! Obrigada Andrea, Pedro e Dirce por terem chegado aqui tão depressa para ler sobre nosso "passarinho". Beijo carinhoso. 🐦
Ah... que delícia de texto, Marilda... Pena que o Mario Quintana não pôde lê-lo. Imagino-o sorrindo e te achando exagerada...rsrs.. Mas ele é tudo o que você disse e muito mais... Sempre me surpreendo com os textos irreverentes do Quintana. Um imortal à moda Rio Grande... Parabéns, querida amiga poeta! Admiração por você e pelo patrono da sua cadeira!!!
Que bom que você sorriu ao ler, José. O riso sempre foi uma arma do Quintana. E sim, humilde como ele era, teria dito que eu exagerei kkk. Obrigada pela leitura e pelo comentário.
Quem quiser conhecer Mario Quintana, por ele mesmo, sugiro assistir o vídeo "Encontro marcado" linkado nas referências do meu texto.
Marilda, esse "poeta passarinho" faz cócegas no coração. Linda homenagem!
Cleusa, adorei essa figura (personificação?). Meu coração sempre sorri quando leio Quintana. Você podia usá-la num poetrix, né. Obrigada pela leitura.
Amo o poeta e amei como apresentou seu perfil.
Obrigada, Bianca. Apresentei o Quintana do jeitinho que o vejo. Valeu pela leitura 🌷
Que maravilha de patrono o seu, Marilda. Como disse a Andrea, casamento perfeito. Que dupla de poetas! Parabéns pela apresentação.
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