AIP - ENTREVISTA POR ESCRITO DE ACADÊMICOS PARA O BLOG DA
AIP
ENTREVISTADO:ACADÊMICO: FRANCISCO JOSÉ SOARES TORRES
CADEIRA: 24
PATRONO: MARCOS GIMENES SALUN
Neste mês apresentamos a entrevista com o médico, escritor e
poeta, Acadêmico Francisco José Soares Torres.
Sua Biografia completa pode ser lida no menu Biografias, do
Blog da Academia. Seu discurso de posse também está disponível na sua página
pessoal neste Blog.
Primeiramente, quero agradecer ao acadêmico por ter aceitado
dar esta entrevista, exclusiva, para o Blog da Academia Internacional Poetrix –
AIP. Agradeço também em nome da Diretoria.
1) Fale-nos um pouco de você: onde nasceu, sua infância, que lembranças guarda com sua família, o que é prazeroso recordar.
Nasci no dia 12 de novembro de 1956. Nesta data, meus pais estavam em Crateús, Ceará, para onde haviam se dirigido a fim de que minha mãe me desse à luz e de onde retornaríamos em seguida, a Buriti dos Montes, Piauí. Fui batizado na Igreja de Nosso Senhor do Bonfim tendo como padrinho de batismo, São Francisco de Assis.
De volta para casa, cercada por areia cristalina, brincava no quintal aberto, empurrando com as mãos cepos de madeira de lei como se fossem carros e trotando vértebras de bois com os dedos indicador e médio escarranchados na curvatura desses ossos, como se fossem lombos de gado da fazenda. Então, elevava os olhos para os morros que cercavam Buriti dos Montes, imaginando o que haveria para além daqueles cumes envoltos em mistério e magia. Em minha imaginária máquina do tempo, vejo minha avó carregando uma lata d’água protegendo a cabeça com uma rodilha de pano e meu avô, depois de embrenhar-se por breves momentos, no mato, voltar com um feixe de lenha nas costas atirando-o com estrupido no chão para hábil destroçá-lo com o machado, lenhando a madeira em cavacos para acender o café da manhã; minha mãe abrir os mourões da porteira do curral a fim de ordenhar as vacas leiteiras, deixando, no interior do cercado, do lado de fora, os machos e se dirigindo até uma fôrma rústica de madeira para prensar o queijo de coalho, sendo que metade do leite era recolhida em tigelas de Agnes para ser bebido mugido; revejo meu pai à luz de lamparina, fazendo deslizar, entre as palmas das mãos, um frasco de penicilina com o pó liofilizado, enquanto a seringa de vidro, a agulha de metal e o êmbolo da injeção fervilhavam na água, flambados por uma chama azul, alimentada com álcool, para aplicar no deltoide de minha avó, que estava morrendo: naquele momento, desejei ser médico. Em cima da mesa de madeira mal talhada, o café borbulhava na água que desmanchava um pedaço de rapadura para adoçá-lo. Logo que levantávamos da mesa, começava um sarau de poesia...
2) Você nasceu num berço literário.
Sua mãe recitava poesia para você dormir. Outros membros da família também
cultivavam a arte. Fale-nos sobre isso.
Minha mãe me embalava numa rede
para dormir, declamando de cor versos da literatura de cordel, principalmente
os cadernos do poeta José Camelo de Melo Resende: O Romance do Pavão Misterioso,
Pedrinho e Julinha, Coco Verde e Melancia, O Valor da Mulher, Entre o Amor e a
Espada, e Os Três Cavalos Encantados e seus Três Irmãos, que meu pai trazia de
Crateús, de onde chegava com os alforjes da sela do cavalo recheados de boa
leitura. Um tio poeta me incentivava a ler em voz alta, depois do jantar, à luz
de uma vela feita de sebo de carneiro, embebida em azeite, num pires, em verso
e prosa, tudo o que existia na pequena biblioteca da família. Meu pai era
repentista e sobrinho-neto de um conhecido poeta da região, o qual era cego.
3) Como médico, a Literatura, enquanto
Arte, interage com a Medicina, no seu caso?
Gosto muito de Mitologia: o
centauro Quíron , nascido na Tessália, no Norte da Grécia, era médico ...

Nasci no Sertão dos Inhamuns, leste do Piauí, terra de gente que não come barro, uma região infestada por cascavéis que elevavam na ponta da cauda o chocalho, de onde tiravam as notas do prelúdio de um breve canto de morte, onde a luta por sobrevivência era difícil e transcorria numa era de devastação e miséria, tornando a maioria das pessoas rudes e práticas e comumente não formava habitantes com índole de artista, mas gerou uma família que se tornou o oásis poético desse rincão duro e seco, cantando sua terra e sua gente de forma simples e delicada, espalhando por toda a região um singelo canto. Que ninguém se aproximasse demais dos poetas, esse era o recado que dava a vida real. Mas como carregava a síndrome do mal dos poèts maudits comigo, fiz Medicina para curar um pouco a mim mesmo também. Durante longos anos dedicados ao exercício de uma das mais belas das artes, pensei que estivesse “curado”: engano fatal! Paulatinamente, aquela miíase que havia sido implantada e permanecia em estado latente em meu corpo, após um longo período de incubação volta, atingindo-me com toda sua “virulência”, infectando-me “gravemente”. Assim, entre sonhos e