28 de mar. de 2021

Discurso de posse de Lílian Maial

Discurso de Posse de Lílian Maial na AIP - Academia Inernacional Poetrix, cadeira 12.

Senhor Presidente da Academia Internacional Poetrix,
Senhores Acadêmicos,
Prezados Companheiros,

Da mesma forma que Alfredo Bosi (que ocupou a cadeira com o número 12 na Academia Brasileira de Letras) iniciou seu discurso de posse, eu começo o meu com uma simples palavra: obrigada! Não uma palavra usada como um dever, mas como o mais sincero sentimento de gratidão. Agradeço o reconhecimento pelo trabalho desenvolvido, a convivência com amigos queridos, porém, principalmente, pela sensação impagável de pertencimento. Nada como pertencer! Como disse Clarice Lispector, em A Descoberta do Mundo: “A vida me fez de vez em quando pertencer, como se fosse para me dar a medida do que eu perco não pertencendo.”

E este grupo de poetas (e amigos) tem características singulares, ao mesmo tempo que plurais, sem a menor contradição, trouxe a certeza de pertencimento.

Goulart Gomes, quase sem querer, reuniu um time de peso na poesia minimalista e suas múltiplas formas. Pedro Cardoso e Tê Soares, nomes até então para mim desconhecidos, tornaram-se guias do poetrix nessa escuridão por onde eu tateava.

Muitos nomes deveriam ser lembrados aqui: Aila Magalhães, Beto Quelhas, Lorenzo Ferrari, Ângela Bretas, Jussara Midlej, Judith Souza, Marilda Confortin, Ricardo Mainieri, Rosa Pena... tantos nomes dos primórdios do poetrix! E tantos outros se somaram ao longo desses 20 anos que fica difícil citá-los todos sem deixar alguém de fora. Eu pertencia! Ganhei até a alcunha carinhosa e, ao mesmo tempo, elegante de Imperatrix, a imperatriz do poetrix!

Alguns poetrixtas apresentavam-se com pseudônimos, e de muitos, até hoje, não sei os verdadeiros nomes, mas reconheço seus poemas. Enfim, um grupo coeso e forte, com muitos representantes também de outros países, que agora caminha unido com a formação desta Academia internacional.

A Academia Internacional Poetrix é a síntese de um sonho. Sonho do poeta pioneiro e transgressor – o baiano Goulart Gomes –, que, inconformado com a forma, dissidente do rigor do haikai, imaginou sua própria linguagem tropical e criou o poetrix. Goulart Gomes é o genuíno brasileiro: diferentemente dos desígnios dos colonizadores, gerou uma nova estirpe de cidadãos, com identidade própria e escrevendo o próprio destino. Dali em diante, buscou parceiros de versos e de concisão, cúmplices do minimalismo, hoje confrades nesta Academia. Então, meu agradecimento e homenagem ao “pai” do poetrix, homem determinado, visionário, poeta urbano, de habilidades várias.

Sonho meu, de fazer parte de um grupo significante, além do velho sonho de imortalidade. A significância sempre me assombrou, posto que nossa identidade racial foi mesclada de dor e muito padecimento, com o apagamento gradual de muitas das características dos povos originários. Temos a ascendência de índios, negros e brancos, trazendo seus dotes milenares, mas sem muita certeza do que realmente somos. Não conhecemos integralmente nossa matriz e nosso significado, e surgimos brasileiros, sem poder voltar a nenhuma das raízes, obrigados a nos reinventar.

E assim foi o poetrix: um grito, um susto, uma reinvenção.

A humanidade busca a imortalidade através da ciência, a fonte da juventude, mas os poetas tornam-se imortais através de suas letras, notadamente as que são lidas repetidas vezes.

Como bem falou o imortal Darcy Ribeiro, também em seu discurso de posse, em mim, da mesma forma, provoca calafrios a ideia de que, daqui a alguns anos, um novo ocupante da cadeira número 12 da AIP fará alusão à minha história e aos meus versos em seu discurso de posse, assim como seus sucessores deverão fazê-lo, tornando-me verdadeiramente imortal. Portanto, desde já, agradeço por tudo e a todos.

Sou honradamente a primeira ocupante da cadeira de número 12 nesta Academia. Destarte, como não tenho antecessores, permito-me discorrer mais demoradamente na apresentação do meu patrono – Nathan de Castro –, poeta mineiro, que tive o prazer de conhecer e com quem tive a honra de fazer poesia por mais de 15 anos, até seu precoce falecimento, em 08 de setembro de 2014. Nathan de Castro não era um poeta erudito, ao contrário, brincava com as palavras com uma facilidade e uma simplicidade impressionantes, como se pode constatar neste poema, de sua autoria, Brincar com as Palavras: “A palavra é criança travessa, / de calça curta, sem camisa e pés no chão. / Criança que solta pipa, joga bola de gude, / corre pelos pomares da poesia e sobe no topo da mangueira, / para colher o único fruto maduro.”

Nathan nasceu em 23 de janeiro de 1954, em Olhos d'Água (MG), e as águas permearam sua existência de maneira marcante. Passou a infância e adolescência em Patrocínio (MG), onde estudou na Escola Erasmo Braga e no Colégio Dom Lustosa, nomes que fez questão de preservar até o fim de sua vida.

Em 1975, ingressou na carreira bancária, pelo extinto Banco Estadual de Minas Gerais, e se especializou em Ciências Contábeis, o que o levou a mudar de cidade em cidade durante anos: para Iturama, onde conheceu a futura mãe de seu casal de filhos, e depois para Itumbiara, Divinópolis, Cláudio e, por fim, após a aposentadoria, Uberlândia.

Na infância, gostava de ler Júlio Verne, Machado de Assis e poemas de Castro Alves, Camões e Gonçalves Dias. Foi quando nasceu a paixão pela poesia e um sonho, que aflorou em 1998, quando, pela internet, começou a escrever e participar ativamente de listas de e-mails voltadas à troca de poesia e literatura e de concursos em sites de editoras.

Começamos no poetrix quase que na mesma época, logo depois de sua criação, e pude apreciar o poder de síntese desse poeta bem de perto.

Ele, sabidamente, preferia os sonetos, e fomos parceiros em incontáveis poemas dessa forma, como nesse instigante Mal de Amor, feito comigo em versos alternados:

O amor é como a brisa das manhãs douradas,
que chega de surpresa, a refrescar o dia.
O mundo fica belo, as nuvens perfumadas,
e o tempo perde tempo, aos olhos da alegria.

O amor é como a chuva fria nas calçadas,
que chega em tempestade, dor, melancolia.
O mundo fica cinza, as luas deformadas,
e o tempo pesa mais que a lágrima tardia.

O mal de amor é fogo, é ar, é terra e é água,
que juntos se modelam, esculpindo a mágoa,
mas quem pode viver sem essa flor letal?...

Que venham elementos, venha a natureza,
os ventos da paixão, os beijos e a certeza:
amar faz tanto bem, que chega a fazer mal.

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Em vida, Nathan de Castro publicou três livros de poesia: Sentença de um Poeta (2003), 1001 Noites de Sonetos & Rabiscos (2005) e Sede de Voar (2012). Além disso, participou de diversas antologias e concursos. Postumamente, foi lançado o livro Duetto (2019), em parceria comigo.

Nathan era também muito bem-humorado, tipo mineiro: quietinho, mas muito observador e crítico dos costumes, como se pode constatar neste seu Psicanálise:


Desculpe-me, doutor, mas os sonetos
carrego há muito tempo e, de reboque,
levo a paixão por Ela e um velho Rock,
que canto pelas ruas dos meus guetos.

Meu tratamento exige o eletrochoque
e a camisa-de-força dos quartetos.
Não volto para a terra dos insetos,
lá não tem nada e aqui me sobra estoque.

Eu não sou louco, apenas sou poeta.
Alado, eu sei, mas lúcido e moderno:
preste atenção no vinco do meu terno!

Deitar-me no sofá não me completa,
— ah! Esqueci a gravata borboleta —
que mais dizer, doutor, se sou eterno?

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Apesar do amor e da dedicação aos sonetos, no poetrix ele conseguia exercitar sua verve minimalista, dizendo tudo em muito pouco, como nestas pérolas:

Besouro

Besouro besta,
Tromba nas paredes...
Pensa que é poeta!

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Alma de Poeta

Alma de poeta
tem asas de borboleta
e penas de solidão.

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Delírio

No delírio do poeta,
a certeza do nada
que o verso completa.

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Prelúdio

O céu, de cara feia,
troveja um verso rouco
de assustar palavras.

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Nathan de Castro era um solitário em si e parecia muito confortável com tal situação, a ponto de conversar com a Senhora Solidão, que, aliás, era íntima amiga da Morte, com quem o bardo também dialogava nas rimas e na prosa poética.

Sempre na busca de sua Estrela, a musa de todos os seus versos, era um observador do amor, das paixões, da natureza e do comportamento humano.

Todos os acadêmicos das principais academias de literatura têm nomes famosos por patronos. Nós, os acadêmicos da nova AIP, tivemos a rara oportunidade de escolher nosso patrono. Muitos nomes importantes no universo das letras vieram à minha mente, sem dúvida! Nomes esses que foram necessariamente reduzidos, quando fui orientada a buscar alguém relacionado, de alguma maneira, ao poetrix. Acabei optando por um poeta simples, como eu, que via o mundo através de lentes sofridas, diante da fragilidade e da impotência, porém sem o conformismo simplista, quase que ironizando a própria impermanência. E, nesses tempos de pandemia, a solidão e a morte são temas recorrentes no cotidiano.

Eu e Nathan de Castro fomos amigos ao longo de anos e nos conhecemos graças à tecnologia, pois ele residia em Uberlândia, Minas Gerais, e eu no Rio de Janeiro. E foi a internet que possibilitou nossa aproximação e parceria.

Comecei meu caso de amor com a poesia ainda menina, como disse em meu poema Droit & Croissant: “Tudo culpa de um vírus que peguei inda menina. / Todo mundo tinha catapora, / eu tinha poesia.”

Eu lia muito, desde pequena, e gostava de escrever, mas tinha vergonha de mostrar. Até que um dia, num concurso de escola, no Instituto La-Fayette, aos 10 anos de idade, ganhei o primeiro prêmio: um livro de Machado de Assis – Helena –, com direito a uma dedicatória da professora de português, Tânia Rodrigues.

Mais adiante, já nos meus 15 anos, me embriagava de ler os poemas de Fernando Pessoa, Cecília Meirelles, Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade, Vinicius de Moraes, além de romances de Aluísio de Azevedo, Autran Dourado, Jorge Amado, Lygia Fagundes Teles e tantos outros. A professora de Literatura Portuguesa – Sandra Brito –, no Colégio Santa Úrsula, onde eu fazia o primeiro ano do segundo grau, leu meus escritos, me enxergou e me incentivou a continuar a escrever, “contratando-me”, no ano seguinte, para auxiliar nas correções das redações dos alunos da série anterior. Essa professora foi um marco na minha vida, uma verdadeira educadora, que fazia listas de livros clássicos extracurriculares, para nos formar pessoas cultas e satisfazer a ânsia de conhecimento. E fez de tudo para me convencer a cursar Letras. No entanto, eu já era comprometida com a Medicina e tive que honrar meus votos. Contudo, a poesia nunca me abandonou.

Mais tarde, já médica e mãe, a poesia permeava meus dias, com a inquietude de quem não entende o mundo. Eu não conseguia ter paz vendo tanta dor, tanta morte, tanta injustiça. A poesia ajudava a acalmar essa mágoa.

Eu escrevia nos lugares mais inusitados e esquecia as folhas por aí: nos plantões, nos ônibus, até nas madrugadas, quando acordava, por vezes, sem compreender o motivo da insônia, vindo a descobrir, depois, que o poema estava pronto.

Nas três gestações, escrevi um diário para cada filho, dialogava com os bebês, com pinceladas poéticas, embora eles, as crias, fossem os melhores poemas.

Mas foi só com o advento da informática, em final dos anos 90, que meus versos ganharam pernas nos sítios de literatura. E, num desses, conheci o Nathan de Castro, e chegamos ao poetrix.

Em 1999, participei de uma antologia – Novos Talentos da Literatura Nacional – Poesias – promovida pela editora virtual Ponto de Vista. Em janeiro de 1999, fui classificada em concurso de contos da Secretaria Municipal de Administração, da Prefeitura do Rio de Janeiro. Em julho de 2000, publiquei meu primeiro livro: Enfim, renasci!, uma coletânea de poemas, de versos livres, temas variados, já esgotado. Ainda em 2000, tive três de meus poemas classificados entre os primeiros dezesseis, no concurso Mar & Amor, do sítio Mar de Poesias, cuja coletânea saiu em 2002. Em 2001, fui classificada com dois poemas eróticos no concurso EROS de poesia sensual, da PD literatura, cuja antologia saiu em final de 2001. Também em 2001, participei da Antologia Cantinho do Poeta. Em 2002, participei do lançamento da 1ª Antologia Poetrix.

Participei de diversas bienais do livro em São Paulo, no Rio de Janeiro e em Salvador, onde tive a chance de conhecer pessoalmente muitos companheiros de poetrix, inclusive seu criador.

Associada à REBRA – Rede de Escritoras Brasileiras, à APPERJ – Associação de Poetas Profissionais do Rio de Janeiro, ao Poetas del Mundo (fui consulesa no Rio de Janeiro), e o MIP – Movimento Internacional Poetrix (fui coordenadora regional no Rio de Janeiro). Tive participação em várias antologias poéticas da REBRA e do MIP e muitas outras, inclusive internacionais.

No poetrix, meu nome está em todas as antologias, desde a primeira, em 2002. Cheguei a desenvolver um projeto de implantação de oficinas de poetrix nas escolas da prefeitura do Rio de Janeiro, como forma de atrair crianças e adolescentes para a poesia. Por ser minimalista, o poetrix desperta a curiosidade e a vontade de fazer poesia, mesmo em quem não tem traquejo da arte poética.

O mundo tem pressa, tudo é digital e abreviado, com o mínimo possível de palavras, e já não cabe muito o emparedamento em formas mais extensas. A modernidade exige o poetrix.

Atualmente, tenho um livro pronto de poetrix, aguardando publicação, embora tenha me dedicado a fazer antes uma homenagem póstuma ao amigo, parceiro e, agora, patrono Nathan de Castro, publicando o livro Duetto, de sonetos que fizemos a quatro mãos, no final de 2019, com lançamento apenas virtual, devido à pandemia.

Agora, com a criação da Academia Internacional Poetrix – AIP, temos nas mãos a melhor ferramenta para cristalizar o terceto brasileiro como uma linguagem poética que veio para ficar, com todas as suas variações e complementações: duplix, triplix, multiplix, grafitrix e tantas outras.

De mim, o que mais posso dizer? Que percorri caminhos bem diferentes do que imaginei? Que lutei (e ainda luto) muito para subir cada degrau e sobreviver a cada solavanco? Sim, mas não seria essa a dádiva da vida: a surpresa, o inusitado, o susto?

Sou uma mulher de lutas.

Mulheres estão acostumadas a isso, as brasileiras, então, sobejamente. Lutamos para uma igualdade que ainda não veio. Avançamos muito, é verdade. O século XX compactou vários séculos. Contudo, muito há o que se modificar, velhos ranços enraizados que trazemos em nossa própria bagagem. Clichês que nós mesmas repetimos. Somos submetidas a assédios permitidos pela sociedade, pequenos deslizes cotidianos, abusos disfarçados, violências domésticas, discrepâncias salariais e preconceitos embutidos em palavras sutilmente pejorativas, como “poetisa”. Cecília Meireles estava certa: “Não sou alegre nem sou triste: / sou poeta.” Ela era poeta, eu sou poeta. Poetisa traz um símbolo de inferioridade como quase tudo o que alcançamos, como se fossem “permissões” paternalistas.

Está mais do que na hora de as mulheres se unirem na vida e na poesia, fincarem seu universo feminino nas letras, dividirem a maternidade. Sim! Não se cria uma vida sozinha, ela é feita de dois, de gametas de dois seres. Por que ser apenas a mulher a responsável, a eterna Maria?


POESIA
Lílian Maial

Todo dia
Em 24 horas
Ser tantas marias


O século virou e ainda temos tanto a percorrer, brasileiras e poetas!

Durante toda a sua existência, a Academia Brasileira de Letras se “esqueceu” das mulheres. A proporção de laureadas é aviltante, e não por falta de talento feminino, mas de um preconceito cristalizado na alma do brasileiro, que ainda “concede” alguns prêmios às mulheres.

Esta nova Academia – a AIP – veio dar um passo adiante no tempo. O elenco feminino é igual ao masculino, com as mesmas condições e visibilidade. Todos compartilhamos versos de igual para igual. E como é gostoso compartilhar!

Então, uma vez mais, agradeço ao criador do poetrix, presidente e fundador desta Academia - Goulart Gomes - que nos trouxe, além do poetrix, a oportunidade de mostrar o verbo feminino. Também agradeço aos queridos amigos acadêmicos por todas essas trocas e amizade, aos poetrixtas que já se foram, mas que aqui estão, aos meus pais, que sempre me estimularam a seguir em frente e certamente teriam muito orgulho da mulher que criaram, aos meus filhos, que muitas vezes foram privados de minha presença por conta do tempo dedicado à poesia, mas que sempre foram a razão, e aos meus leitores que, de uma forma ou de outra, contribuíram para que eu aqui chegasse.

Convido todos para a deliciosa caminhada que ora iniciamos com este primeiro passo.

Muito obrigada!
Lílian Maial

Um comentário:

Dirce Carneiro disse...

Fazemos parte deste sonho, poeta, na pertença de versos Poetrix. Parabéns pela mensagem, imperatriz. Um dos sentimentos mais bonitos é a gratidão, presente nas suas palavras a Nathan de Castro.