outro domingo
perdi a noção do tempo
é noite nos meus olhos
chove tua ausência
diana pilatti
Conheço a poeta Diana Pilatti há bastante tempo, desde o Recanto das Letras, nos anos de 2010 mais ou menos. Desde então, vimos cultivando uma amizade significativa, principalmente em relação à troca de experiências na escrita de Poetrix e também em relação à administração de grupos de produção nesse gênero minimalista. Participamos da criação do grupo Ciranda Poetrix e, agora, administramos o grupo Selo Poetrix, com a parceria também da acadêmica Dirce Carneiro. Além disso, vimos organizando, em conjunto, algumas mostras de poemas mínimos. (https://4mostrapoetrix.blogspot.com/)
A escrita de Diana Pilatti é singular e instigante da nossa imaginação. Seus poetrix sempre trazem figuras de linguagem e inquietações que deixam um campo aberto à viagem do nosso pensamento. Isso pode ser observado na poética contida em livros que já publicou até o momento, sejam de haicais, versos livres ou poetrix. A mesma sagacidade observa-se em seus grafitrix (https://www.academiapoetrix.org/2022/06/grafitrix-de-diana-pilatti.html) quando seus versos são enriquecidos por imagens, e até mesmo em videotrix, quando ela acrescenta movimento e som às imagens.
O primeiro verso confirma a ideia de que aquele domingo tem um peso maior, pois a leva a perder a noção do tempo. Ela identifica, no calendário, um domingo cruel. E dá a entender que já aconteceu algo semelhante antes. O “outro domingo” pode ser lido também como “mais um domingo” de uma ausência que não se celebra, mas se sente.
Esse pensamento é reforçado pelo segundo verso, no qual ela traz a metáfora de olhos que anoitecem. Ela mostra que a noite não está lá fora, mas nos próprios olhos de quem sente a falta de alguém. Como se os olhos escurecessem, ficassem nublados: “é noite nos meus olhos”.
A metáfora – triste e bela ao mesmo tempo – no terceiro verso, “chove tua ausência”, pode ser indício de lágrimas que trazem a noite aos olhos. Literalmente a ausência chove.
Percebe-se uma coerência interna, ou consistência, desde o título, perpassando os três versos, cada um levantando uma determinada dimensão ou grau de emoção vivenciada.
Uma coisa interessante é que a percepção desses sentimentos aqui descritos pode nos vir desde a primeira leitura. São várias as sensações que nos atravessam e nos levam a um processo de identificação com esse alguém solitário em mais um domingo da vida.
Isso nos conduz a uma outra ilação: a significatividade das emoções que vêm ao encontro de cada um de nós a partir da leitura desse Poetrix. Significativa é aquela mensagem que encontra respaldo no repertório dos leitores; significativo é tudo aquilo que se ancora em algum fato ou situação já vividos por alguém. Não existe uma exclusividade de sentimento, mas algo que pode acontecer ou ter acontecido a qualquer um de nós, simples mortais. Quem nunca sofreu a ausência de alguém, e, mais cruel ainda, durante um fim de semana? O peso da ausência é maior nos momentos em que temos mais tempo para dividir com alguém, num domingo, principalmente, e esse alguém não está ao nosso lado.
Importante observar, mais uma vez, a capacidade de o poetrix, em tão poucas linhas, trazer à baila e despertar em nós sentimentos tão profundos de identificação com mensagens veiculadas poeticamente.
Fica-nos claro que a presença de figuras de linguagem – como as metáforas contidas nesse poetrix – tem o dom de conferir beleza e leveza para o que queremos compartilhar com os leitores. Essas figuras de linguagem evidenciam a importância de sairmos dos lugares comuns da mera descrição de fatos corriqueiros e trabalharmos o elemento poeticidade nos nossos escritos, o que os reveste de um encanto especial.
Eu poderia ir um pouco além, mas encerro por aqui, deixando que cada leitor ou leitora acrescente algo mais que observou ou descobriu a partir dessa leitura de “Outro domingo”. Deixe o seu comentário que, com certeza, contribuirá para abrir um pouco mais o campo da nossa compreensão acerca desse poetrix da talentosa poeta Diana Pilatti.
José de Castro, cadeira 11 AIP.
11 comentários:
Que belo trabalho o poema de Diana Pilatti e a análise de José de Castro.
Já se disse que poema não se explica mas se sente.
E a análise de José De Castro discorre não só sobre o seu entendimento do poema mas também sobre o sentimento e a emoção que a leitura lhe despertou.
E faz isso apontando recursos literários e técnicos presentes no Poetrix os quais fazem do poema uma linguagem artística.
Por muitas vezes ouvi dizer que Poesia é sentimento, até que li uma contestação desse conceito.
Então o que é Poesia e para que serve?
Penso, sinto e entendo que Poesia é emoção, transcende a realidade e serve para nos transportar a dimensões que só a Arte é capaz. O poema é a tradução desse estado em palavras numa linguagem literária e artística.
Poesia é Literatura, que é Arte. Poetrix é Poesia, Literatura, Arte.
Disse Ferreira Gullar que a Arte é necessária porque a vida só não basta.
É com Poesia que somos capazes de, num dia qualquer, por acaso um domingo, dizermos da emoção das ausências que nos invade e nos envolve como chuva e lágrimas.
Amei o Poetrix e a análise.
Esta Coluna Literária nos proporciona bons momentos de leituras.
Dirce, foi muito bem lembrado pensamento de Ferreira Gullar sobre a Arte. A boa poesia é sempre uma expressão dessa Arte que nos traz magia e encantamento. Grande abraço.
Como é bom ler bons Poetrix! Vejam o que foi dito por José de Castro e a Dirce. Esses comentários são tão ricos quanto o Poetrix. Isto me deixa orgulhoso e feliz por fazer parte deste grupo. É assim que vamos levar o Poetrix para voos longos e duradouros... E viva a poesia!!! Obrigado Diana!!!!!!!!!
Lembro bem de quando postei esse Poetrix da Diana no Blog. Ele me chamou atenção pela sensibilidade, harmonia e coerência dos versos. Me tocou muito. Pensei comigo: _ gostaria de ter escrito algo assim num desses domingos sombrios.
Os melhores poemas são os tristes, os solitários. Quando feliz e bem acompanhado, a gente não interrompe o momento para escrever, né Diana? 😄
Parabéns José, pela escolha desse excelente poema da Diana para fazer sua análise.
Obrigado, Pedro Cardoso e Marilda Confortin pelas generosas palavras. Aqui praticamos a irmandade-poetrix. Faço minhas as palavras do Pedro Cardoso quanto ao orgulho de fazer parte deste grupo. O Poetrix nos une. Grande abraço, amigos.
O Poetrix é algo tão maravilhoso! Não imaginamos a grandeza em poesia e de cenário que podemos alcançar com apenas três versos, trinta sílabas e um título. José de Castro nos mostra a beleza do O outro domingo, de Diana Pilatti, com mais leveza ainda. Pura poesia nos dois textos. Abraços poéticos!
Poetrix muito delicado e bem estruturado. Análise maravilhosa.
Fizeram meu domingo (chuvoso aqui no Rio de Janeiro) mais gostoso.
Obrigada, amigo José, pela leitura tão sensível. Fico feliz em ter alcançado meu intento poético, em expressar o que muitas vezes é impossível...
Parabéns, Diana Pillati! Sua produção poética é intensa! Amo todos os seus livros que li - aliás sempre estou relendo! Quanto aos seus poetrix são de uma delicadeza que faria Italo Calvino vibrar!!!
Aproveito o ensejo e também parabenizo o ensaísta José de Castro! Sempre com um olhar aguçado! Que venham mais ensaios, resenhas!
Abraços poéticos
Gilvânia Machado
Parabéns Diana pelos belos poetrix que você sempre nos trás. José que belos detalhes nos trouxe, muito aprendizado, grata amigo
Sensacional a análise do não menos incrível poetrix da Diana Pilatti! Castro reuniu todos os elementos de destaque nessa leitura. É assim que se faz um bom poetrix, aliás, excelente! Parabéns, Diana e Castro!
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